Todos os dias, Jéssica Macedo acorda logo ao amanhecer, faz suas obrigações matinais e vai para o escritório do apartamento, onde trabalha na frente do computador das 8h às 18h. Nesse ínterim, ela bate um papo com o marido – programador, que também faz home office –, toma conta da filha de 1 ano e cuida de seus gatos. Essa rotina poderia se encaixar em muitas ocupações, mas dificilmente alguém adivinharia a profissão da belo-horizontina: Jéssica é escritora.
Ao se pensar no ofício, o imaginário pode levar para alguém com hábitos desordenados, possivelmente cheios de xícaras de café, perdendo noites de sono por causa de bloqueios criativos ou passando horas a fio afundado na missão de escrever algumas poucas páginas.
Mas não é o caso da jovem de 28 anos, autora de mais de 200 livros e a brasileira mais lida do Kindle Unlimited, serviço de assinatura de e-books da Amazon. “Eu encaro tudo isso como trabalho. Tenho metas diárias de escrever 12 páginas tamanho A4 e publico um livro a cada 15 dias. Quando o dia rende, ainda tento encaixar histórias de outras obras”, descreve.
Jéssica também tem uma editora que agencia mais de 30 autores; chega a faturar mais de R$ 50 mil com seus livros, alguns deles publicados em seis idiomas; e figurou, em 2021, na lista Forbes Under 30, que elenca jovens de até 30 anos que se destacam em diferentes setores. “Mas quem vê close não vê corre”, pondera a escritora, citando uma expressão popular na internet.
Para chegar a esse patamar, a jovem precisou encarar certos desafios, como ouvir que “desperdiçaria a inteligência dela escrevendo livros” e que “ninguém lê no Brasil”; arriscar trocar o emprego estável pela vida autônoma; trabalhar de segunda a segunda, sozinha, em todas as etapas da publicação de um livro; e enfrentar a decepção do pai, que sonhava para a filha um diploma de médica. “Mas, como diz Charlie Brown Jr., ‘para quem tem pensamento forte, o impossível é só questão de opinião’”, diz, recitando a frase de “Só os Loucos Sabem”, música da banda do eterno Chorão.
Como Jéssica começou a escrever
Tudo começou “desde sempre”. Já na escola, Jéssica escrevia alguns contos e peças de teatro, porque gostava de contar histórias. E, ao contrário do que se possa imaginar, a falta de leitura foi o que incentivou a Jéssica de 9 anos a começar a colocar no papel tudo o que lhe passava na mente.
“Sempre fui muito criativa. Estudava em uma escola que não tinha uma biblioteca muito interessante, os livros eram divididos por faixa etária – e, com isso, eu não podia ler ‘Harry Potter’, por exemplo. Então, eu escrevia muitas histórias que imaginava”, conta. Ao trocar de colégio, porém, o hábito de criar histórias foi aprimorado – desta vez, com bastante leitura. “Minha nova escola tinha uma biblioteca ótima, e comecei a ler muito e a escrever ainda mais”, recorda.
A primeira ideia de levar seus escritos para além dos muros da instituição de ensino veio em uma conversa rotineira com uma amiga. “Ela me disse: ‘Por que você não escreve um livro?’”. A pergunta ecoou na cabeça da adolescente Jéssica e acabou tomando forma. Aos 13 anos, ela escreveu seu primeiro livro, o “Vale das Sombras”.
Aos 14, sua obra de fantasia, que conta a história da filha de uma vampira com um humano, foi publicada em papel. “Minha mãe pagou pela publicação, mas há uma série de dificuldades para que um menor de idade publique um livro. Então, continuei escrevendo, e, aos 18, saiu meu segundo livro, o ‘Magia’, que, mesmo após dez anos da publicação, continua sendo o meu trabalho físico mais vendido”, comemora.
Decisão de seguir a carreira de escritora
Aos 17 anos, época em que geralmente uma pessoa decide sobre sua vida profissional, Jéssica Macedo ouvia que ser “escritora não é uma carreira”. Também eram frequentes comentários do tipo: “Você trabalha também ou só escreve?”. Diante disso, a jovem pensou que precisaria trilhar outros caminhos. “Decidi fazer cinema de animação na UFMG. Eu queria contar histórias: se não fosse pelos livros, seria pelos filmes”, lembra. Naquela época, ela também se formou em design gráfico e, pouco tempo depois, começou a trabalhar em uma agência de publicidade.
Foi nesse ambiente que Jéssica percebeu que a literatura poderia, sim, ser um negócio. “Entendi o que era uma persona, por exemplo”, diz, referindo-se a um termo do marketing sobre a representação fictícia de um cliente ideal de uma empresa. Já no ambiente universitário, a escritora teve contato com feiras e eventos literários e botou o livro “Magia” debaixo do braço para apresentá-lo em mostras do tipo. E aí ela descobriu a Amazon.
A gigante da tecnologia representou um divisor de águas na vida de Jéssica. Depois de algumas pesquisas, a belo-horizontina descobriu que o romance era o que tinha melhor aceitação do público. “Então, comecei a publicar livros do gênero na Amazon. Fui acolhida pelo público feminino que gosta de ler literatura hot, semelhante àqueles livros de banca”, conta, explicando a diferença desse tipo de escrita para os contos eróticos.
“São livros que exaltam o prazer feminino, mas não se atêm somente ao sexo – ele faz parte da história naturalmente. Por muito tempo, esse tema não podia ser discutido. E hoje tenho o relato de muitas mulheres que leram meus livros e conseguiram melhorar seus relacionamentos ou saíram de relações abusivas”, celebra.
Carreira em números
Para conseguir ter uma boa renda, Jéssica precisa ter um volume considerável de visualizações. Logo quando começou a publicar seus livros na plataforma, recebia cerca de R$ 0,01 para cada página lida. Hoje, esse número está na casa de R$ 0,007. “Tudo depende muito do desempenho do lançamento de um livro”, conta.
Jéssica tem obras traduzidas para o inglês, italiano, espanhol, francês e alemão. Seu livro mais vendido, o “Virgem Prometida”, está publicado em seis idiomas. “Ele ficou por sete dias no primeiro lugar dos mais lidos no Brasil. Segundo a Amazon, ele e ‘Rejeitada no Altar’ estão entre os 50 mais lidos da plataforma”, conta Jéssica, que tem mais de 57 mil seguidores na Amazon, cerca de 290 mil e-books vendidos em 13 países e 760 milhões de páginas lidas.
'Gosto de ser o primeiro degrau'
Além de escrever fantasia e literatura hot, Jéssica Macedo também faz conteúdos para o público infantojuvenil com idade entre 12 e 14 anos. “Tenho um livro aprovado para o ensino fundamental. Nele, falo sobre os perigos que há na internet, em que uma criança não sabe quem está do outro lado. É uma história para orientá-las”, aponta.
A intenção de Jéssica com seus livros, como ela mesma conta, “não é ganhar um prêmio Jabuti” ou algo do tipo. “Mas quero despertar o gosto pela leitura”, enfatiza. “Os clássicos têm seu lugar, claro, mas eles dificilmente serão a porta de entrada para o hábito de ler. Quero ser uma escada para chegar até eles, e gosto de ser o primeiro degrau dela”, arremata.