No cair da tarde, o movimento se intensifica e as mesas, todas elas, são ocupadas. Logo, petiscos começam a sair da cozinha e, garrafas de cerveja, dos refrigeradores, compondo uma ambiência com jeito de fim de semana, mas, em uma segunda-feira. Foi esse o cenário que a reportagem encontrou no Cantina Azul, bar localizado no encontro das ruas Inconfidentes e Paraíba, na Savassi, região Centro Sul de Belo Horizonte. 

Por lá, o começo da semana é dia de casa cheia e celebração há cerca de um ano e meio. E o motivo não é outro se não o choro, primeiro gênero musical genuinamente brasileiro, que, reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural do Brasil em fevereiro deste ano, foi abraçado pela noite belo-horizontina, com opções de rodas de segunda a segunda, nos quatro cantos da cidade.

“No Cantina Azul, a gente toca, com um quinteto fixo que sempre recebe convidados, há um ano e meio. E tem sido um sucesso”, orgulha-se o bandolinista e compositor Marcos Frederico, que se apresenta na noite belo-horizontina desde o início dos anos 2000. 

O bandolinista e compositor Marcos Frederico durante apresentação no Choro de Segunda | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo

Ele reconhece que as rodas de segunda-feira entraram no radar, primeiro, por uma predileção pessoal: “É um dia que eu sempre gostei, seja para sair e tomar uma, seja para tocar”. Também entrou na conta a ideia de completar o calendário de apresentações dedicadas ao gênero em BH. “Antes de começar o movimento aqui, era um dia de menos movimento nessa cena. Por isso, quando o Fred (Fred Menta, proprietário do bar) me fez a proposta de apresentar aqui, sugeri essa data”, sinaliza.

“Hoje, tem choro todo dia. E você tem lugares que têm uma interseção interessante do samba e do choro, como a roda que acontece nos sábados no Concórdia”, exalta Rafael Zavagli, artista visual que atua na música há cerca de duas décadas, tocando cavaquinho. 

“Há uns três anos, fizemos um levantamento que mapeou umas 30 rodas na cidade, um número que, possivelmente, já cresceu bastante de lá para cá”, reforça, enumerando opções, sobretudo na quarta-feira, que, por alguma razão, se tornou o dia que mais concentra chorões e choronas em BH. “Tem o Choro do Jura, no Pompeia, e, logo depois, o Choro do Avenidinha, no Santa Efigência, além do Chorinho de Quarta, no Santa Tereza”, lembra, citando alguns dos mais conhecidos destinos dedicados ao estilo na capital.

Rafael Zavagli em apresentação ao lado de Wagner, um dos músicos históricos do choro de BH | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo

A chegada das choronas

Enquanto enumera espaços que recebem rodas de choro em Belo Horizonte, Rafael Zavagli destaca que alguns lugares se destacam não só pela qualidade musical, mas também por apresentar novas propostas, trazendo novos ares para essa cena. Caso, por exemplo, do Abre a Roda Mulheres no Choro, que toca toda terça-feira no Santo Boteco, no bairro São Pedro, com um grupo formado exclusivamente por musicistas. “É espetacular”, garante ele.

Entre as fundadoras do coletivo feminino, criado em 2017, está a saxofonista Cláudia Sampaio. Ela explica que o grupo surgiu da necessidade que as mulheres musicistas sentiam de ter um espaço para fazer seu trabalho musical, ter uma troca entre musicistas, construir um público e criar um repertório próprio. “Em última instância, o Abre a Roda surge do desejo dessas artistas de criar uma marca própria”, determina.

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“Quando começamos, não existia nenhum grupo de choro com essa característica. Felizmente, hoje, já existem vários”, anima-se Cláudia. Ela informa que o coletivo se apresenta em dois formatos: um deles é a roda de choro tradicional, que acontece em volta da mesa do bar e recebe convidados.

A saxofonista Cláudio Sampaio é uma das fundadoras do grupo Abre a Roda - Mulheres no Choro | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo

“Temos também o show de palco, feito com um repertório de composições de mulheres, indo desde Chiquinha Gonzaga, que foi a precursora do choro no Brasil, até compositoras atuais do Brasil, de Belo Horizonte e do nosso próprio grupo. A ideia, então, é levantar a bandeira da visibilidade para todo esse trabalho feito por mulheres compositoras, que, ao longo do tempo, sofreu um apagamento”, explica.

A pandeirista Tatá Xavier concorda. Para ela, a entrada da mulher como protagonista no choro é uma bem-vinda novidade desse novo momento do gênero na cidade. “Sempre tivemos instrumentistas, sempre tivemos mulheres ligadas à cena, mas, antes, elas não tinham muita visibilidade em um universo que, assim como o samba e o pagode, é predominantemente masculino”, descreve.

Descobrimento de uma paixão

Percussionista que se iniciou no choro há mais ou menos um ano, Tatá Xavier costuma ser citada como uma das promessas dessa nova safra de choronas e chorões de Belo Horizonte. Curiosamente, no caso dela, tudo começou com o despretensioso ingresso em uma aula de pandeiro, no Buteco D’Avenidinha, onde ela trabalhava.

“Eu sempre tive vontade de tocar um instrumento, mas, por diversos motivos, nunca consegui colocar isso como uma prioridade. Até que comecei a trabalhar nesse bar, que é muito forte na cena do choro de BH atualmente, e o Fred começou a dar aulas de pandeiro lá. E eu me comecei a participar, mas apenas por hobby, sem pensar que viraria uma musicista”, recorda, fazendo menção ao músico Frederico Lazarini, habitué na cena do choro belo-horizontino há pelo menos 20 anos.

A pandeirista Tatá Xavier | Crédito: Reprodução/Instagram @tataxavier2024

Guiada pelo professor, Tatá se aproximou mais e mais do universo do choro. “Me apaixonei e, com poucos meses, já estava me apresentando em rodas e, então, já inserida, decidi ser mais ativa na cena”, resume. 

“A galera diz que tive uma ascensão rápida. Mas eu não acredito nisso não. Para mim, a arte é ancestral. Acho que isso estava dentro e mim, mas, por muitas razões, eu não conseguia expressar. Até que comecei a me dedicar e tudo veio à tona”, analisa.

Diversidade de opções

Hoje, Tatá Xavier toca em dois coletivos dedicados ao gênero. Um deles é o Chorinho de Quarta, que, obviamente, se apresenta nas quartas-feiras. As rodas acontecem no Bar do Chico, no bairro Santa Tereza. “Esse coletivo, na verdade, foi uma das minhas primeiras experiências independentes, sem a presença do meu professor me conduzindo”, narra ela, citando ter começado a se apresentar sendo guiada por ele, nas rodas que ele participava.

O segundo é o coletivo regional Clave de Choro, que faz sua roda toda sexta-feira no Botequim Madureira, no bairro Aparecida. “É um grupo formado por pessoas negras, que tem por premissa tentar construir essa identidade de um choro com mais pessoas negras. Acho que essa é uma questão, porque a cena do chorinho é muito embranquecida”, detalha, indicando que, nessa iniciativa, a ideia é trazer outras referências e instrumentos, propondo interseções entre gêneros que, naturalmente, dialogam entre si.   

A própria Tatá, aliás, conta que, com referências familiares no samba e no pagode, gosta de experimentar, no chorinho, instrumentos mais tipicamente usados nesses “estilos-irmãos”. “Toco tantã, um pouco de tamborim e o pandeiro, que é o meu forte mesmo”, explica ela, que reforça o recado de todos os músicos e musicistas ouvidos pela reportagem: “A cena em Belo Horizonte é muito promissora, com rodas diversas, ecléticas, para todo tipo de público e com apresentações todos os dias da semana, de segunda a segunda”.

Opções de rodas de choro fixas de BH em 2024

Domingo
- Chorinho Livre, no Bar da Esquina (rua Sergipe, 146, Centro), das 12h às 15h 
- Orapronois, no Tua Pizza (avenida dos Bandeirantes, 1299, Anchieta), das 11h às 14h
- Velhos Chorões, no Mercado da Boca Savassi (rua Levindo Lopes, 124, Funcionários), das 14h às 17h

Segunda-feira
- Choro de Segunda, na Cantina Azul (rua Paraíba, 1075, Savassi), das 18h às 21h 

Terça-feira 
- Grupo Contraponto, no Redentor, (rua Fernandes Tourinho, 500, Savassi), das 19h às 22h 
- Abre a Roda Mulheres no Choro, no Santo Boteco (rua Major Lopes, 4, São Pedro), das 19h às 21h30 
- Arreda o Passo, no Bar Bocaiuva (rua Paraisópolis, 550, Santa Tereza), das 19h às 22h 
- O Imprevisto, n’O Candiá (avenida Francisco Sá, 430, Prado), das 19h às 22h 

Quarta-feira
- Choro do Jura, no Juramento 202 (rua Juramento, 202, Pompeia), das 19h às 22h 
- Acerta o Passo, no Café com Letras (rua Antônio de Albuquerque, 781, Savassi), das 19h às 22h 
- Encantado das Ruas, no Dona Ivone Botequim (rua Flórida, 31, Sion), das 19h às 22h
- Chorinho de Quarta, no Bar do Chico (rua Conselheiro Rocha, 1605, Santa Tereza), das 19h30 às 23h 
- Choro n’Avenidinha, no Buteco D'Avenidinha (avenida do Contorno, 3379, Santa Efigênia), das 21h30 às 00h30

Quinta-feira
- Choro Nosso, no Muringueiro (rua Juacema, 416, Graça), das 19h às 22h 
- Amigos do Choro, no Bar 222 (rua Francisco Deslandes, 222, Anchieta), das 19h30 às 22h30
- Grupo Velhos Chorões, no Buteko Vila Rica (rua Vila Rica, 637, Padre Eustáquio), das 19h30 às 22h30

Sexta-feira
- Biruta, no Bar Mercado Central Savassi (rua Cláudio Manoel, 778, Funcionários), das 19h30 às 22h30
- Clave do Choro, no Botequim Madureira (rua Madureira, 293, Aparecida), das 19h às 22h

Sábado
- Biruta, no Cantina Azul (rua Paraíba, 1075, Savassi), das 13h às 16h
- Grupo Regional da Serra, no ⁠Restaurante Florestal (avenida Assis Chateaubriand, 176, Floresta), das 14h às 17h.
- Feitiço Roda de Choro, no Bar da Gabi (rua Silvianópolis, 197, Santa Tereza), primeiro sábado do mês, das 16h20 às 19h