DANÇA

Bailarina de BH se torna solista de grande companhia americana

Integrante da Visceral Dance Chicago, Laura Mendes venceu preconceitos e falta de recursos financeiros

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 24 de maio de 2024 | 14:43 - Atualizado em 28 de maio de 2024 | 16:36
 
 
 

"Falar português de vez em quando é muito bom", comemora Laura Mendes, logo após sair de um ensaio da Visceral Dance Chicago. Mineira de Belo Horizonte, a bailarina está desde agosto do ano passado na companhia de dança sediada em Chicago, uma das cidades mais populosas do Meio-Oeste dos Estados Unidos.

Com 23 anos completados em 5 de maio, Laura é a única brasileira e uma das duas integrantes negras, distinções que se somam ao fato de - em pouco mais de cinco meses no grupo - ter se tornado solista. Atualmente ela dá corpo e movimentos à personagem-título de "Camen.maquia", baseado na cigana intensa e sedutora que protagoniza a ópera de Georges Bizet.

Em comum com Carmen, Laura tem a obstinação. Desde os 11 anos, quando ainda morava no bairro Santa Rosa, sabia que seu destino seria o balé.  "Na verdade, comecei com quatro anos, mas achava um saco. Aí fui para a natação. Era uma criança muito ativa e tinha que fazer alguma coisa. (Nas piscinas) Senti falta de outra coisa que não fosse só a parte física e pedi para voltar", lembra.

Nessa nova tentativa, ela se matriculou na escola Marilu Dias, no bairro Dona Clara. "Era muito perto da minha casa. Eu ia sozinha. Desde então não parei mais de dançar. Minhas professoras ficavam no pé de meus pais, dizendo que eu tinha muito talento e pedindo para me colocarem em concursos", registra a bailarina.

Como a dança tem seus custos ("Cada figurino é mais de 100 contos", ressalta), Laura optou por um colégio técnico gratuito (o Coltec) para poder se manter na dança. "Tudo que eu fiz foi em prol desta sede em conseguir continuar dançando. Logo comecei a ser reconhecida pelos meus solos. Foi assim que meus pais perceberam que era uma carreira séria".

A participação no Festival de Dança de Joinville, o mais importante do país, significou uma mudança de chave para Laura. Com o segundo lugar conquistado na cidade paranaense, ganhou convites para participar de comerciais. "Tive que ser emancipada para poder viajar. Com 15 anos já era maior de idade", assinala.

 A próxima parada foi Berlim, na Alemanha, onde se apresentou no festival de Tanzolynp, a primeira vez que pisou no exterior. O desejo de sair do país se intensificou com a realização de audições em grupos internacionais. "A Daphne, minha professora na Marilu Dias, sempre falou que meu talento era muito grande para ficar no Brasil".

Laura conta que, desde pequena, sabia que queria muito mais. “Amo tanto a dança que não me vejo fazendo outra coisa. É o que respiro. Por isso passei a fazer audições para lugares que pudessem me dar possibilidades maiores", destaca. Acabou recebendo uma bolsa de mérito para a renomada Joffrey Ballet School, em Nova York (EUA).

"Era muito nova. Tinha acabado de fazer 17 anos. Foi muito difícil, porque eu não conhecia ninguém lá. Com uma amiga da amiga da amiga da amiga da minha mãe, consegui um lugar no Queens. Fui com a roupa do corpo, 300 dólares e duas malas. Eu literalmente senti que a minha vida estava em duas malas. A sorte é que sabia inglês", assinala.

Neste primeiro ano, em 2019, foi hospitalizada com desnutrição, consequência do medo de gastar muito dinheiro. "Não comprava comida suficiente. Só tinha o dinheiro dos meus pais. E não queria ficar pedindo, porque me sentia muito culpada. Mas, dançando o dia inteiro e comendo pouco, deu ruim. Aí vi que tinha que buscar outras formas para fazer tudo funcionar".

Foi quando conheceu Ingrid Silva, famosa bailarina carioca que morava também na Big Apple. "Eu a conheci depois de fazer uma aula dela. Ela me chamou para cuidar da filha de três meses, que também se chamava Laura. Aí, no terceiro ano, fui morar com uma colega minha. E foi bom porque íamos para a escola juntas. Tínhamos a mesma rotina".

Nessa época, começou a se destacar na Joffrey, vencendo o preconceito de professores e colegas. "Eles não vão olhar para a menina negra do Brasil que chegou lá do nada. Mas sou muito cabeça dura. Se eu faço uma coisa, quero ser sempre a melhor. Até mesmo quando eu limpo a casa. Você pode ver pelo chão que ela fica impecável", define.

Ao final das aulas, Laura ia para outro estúdio e continuava a estudar, com o claro objetivo de ser notada pelos professores. O resultado não demorou, sendo selecionada para os papéis principais, além de estampar a propaganda da escola. "A dança é muito competitiva. Tinha muita menina lá que me olhava de cima a baixo, chegando a parar de falar comigo".

Apesar, de pouco a pouco, ter o trabalho reconhecido em Nova York, a insegurança tomou conta dela ao se formar, em maio de 2023, e ficar sem saber se poderia continuar nos Estados Unidos ou se teria que voltar para o Brasil. Foi quando a porta se abriu na Visceral, na fria Chicago.

“Foi uma benção. Agora tenho o meu security number, que é como se fosse o CPF, para poder receber (salário). Todo mundo é bem família aqui. Mas não é fácil. Tem muitos dias que fico cansada, até por estar longe da família. E dança, se você não querer, não dará certo. Felizmente as coisas foram de desdobramento e pude achar os meus caminhos”, comemora.

Apesar de continuar a “trabalhar demais da conta”, deixando escapar uma expressão bem mineira, ela já encontra tempo para se divertir. “É importante para a dança. É importante ser gente também. Agora que o clima está bom, dá para ir para uma baladinha e relaxar. Só perto de show que não (pode). Aí tem que ficar focada”.

Embora tenha voltado para Belo Horizonte só uma vez, em dezembro do ano passado, Laura não pensa em retornar ao Brasil como dançarina. Ela vê o bom momento profissional e tem outros sonhos para serem realizados. “Quero me estabelecer aqui, ter uma base aqui. Em cinco anos nos Estados Unidos, tive mais oportunidade do que todo tempo no Brasil”.

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