TRIBUTO

Espetáculo “Marku Musical” parte da autobiografia deixada pelo músico para reunir a família e refletir sobre a obra

Cantor, compositor e instrumentista teve a mistura como marca de seu estilo, atuou no cinema com Robert Bresson e gravou clipe com os Rolling Stones

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 09 de maio de 2024 | 17:54
 
 
 
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De Robert Bresson a Bob Marley. Da África aos povos indígenas. Dos Rolling Stones a Alcione. Censurado, preso e torturado pela ditadura militar, o mineiro de Pirapora Marku Ribas (1947-2013) correu o mundo com sua arte e jamais permitiu que sua voz fosse calada, emitindo um veredito, ao mesmo tempo, “apaixonado e político”, transpassado pela poesia, como define a filha Lira Ribas, que dirige “Marku Musical”.

“Meu pai carrega essa força artística que mistura amor e cidadania. Em todas as fases da vida, ele demonstrou muita paixão pela arte, sem deixar de se revoltar com as injustiças sociais. Somos artistas e o artista poetiza a realidade, não podemos nos calar nem fechar os olhos diante do que o mundo nos apresenta para lutar…”, sublinha Lira.

Com estreia nesta sexta (10), o espetáculo que ela empreende ao lado da irmã Júlia Ribas, responsável pela direção musical, partiu de uma autobiografia inacabada deixada por Marku, que morreu aos 65 anos, vítima de câncer no pulmão. Há tempos, a família refletia sobre o destino dos escritos, que permaneceram “guardadinhos, ali quietinhos”, até revelarem a sua vocação.

Ao colarem diversos adesivos na parede com ideias para a montagem, o mosaico da vida aventurosa de Marku pareceu materializar-se. “Entendemos que o Marku deixou aquele roteiro pronto para a gente, e resolvemos utilizar a autobiografia como linha dramatúrgica do espetáculo”, conta Lira, que ressalta a “necessidade de realizar escolhas” ao levar uma existência para o palco.

Enredo

A narrativa concluída pelo homenageado se interrompia no momento do matrimônio com Fatão Ribas, mãe de Lira e Júlia, que também participa da empreitada. A partir daí, as mulheres da prole completaram o ciclo com “lembranças, pedaços de anotações soltas em agendas e outros lugares” que Marku legou. Iniciada no ano 2000, a acalentada autobiografia, que agora toma a forma de espetáculo, se uniu à gama de projetos típica da cabeça inventiva e do coração inquieto de Marku.

Alguns acabaram lançados postumamente, como o box “Marku 50” e o álbum “Mais Samba”, enquanto um livro de poemas segue inédito. Quando adoeceu, Marku retomou a autobiografia, mas logo lhe faltaram as forças. “Uma hora ainda a lançamos como livro”, promete Lira.

Quem leu, garante que o estilo de Marku impregna as páginas, com seu modo próprio de se comunicar e que ultrapassa a rigidez da escrita. O artista foi pioneiro em utilizar o corpo como percussão, influenciando do contemporâneo João Bosco ao pupilo Ed Motta. Concebido de maneira cronológica, o enredo empresta títulos aos parágrafos e se inicia com os avós de Marku, passando pela negritude do pai e a origem indígena da mãe.

Em cena, a “obra aberta” de Marku recebe os contornos do cinema, do teatro e, inescapavelmente, da música, traduzindo uma linguagem que ele próprio afirmava. Para tanto, a montagem recebe o auxílio do cineasta Ricardo Alves Jr. “Meu pai era um artista completo, essa mistura é o cerne de tudo que ele produziu na vida”, afiança Lira.

Encontros

Dentro de casa e, concomitantemente, do palco de show, como se não houvesse divisão possível entre essas instâncias, ao menos na vida do protagonista. É essa imagem que “Marku Musical” almeja carregar para o espectador. No caso do cantor, compositor e multi-instrumentista, a presença da música ao vivo era inevitável.

“Foi uma opção natural, por tudo o que meu pai representava”, sustenta Lira, que exalta a importância dos músicos Marcelo Dai, Alexandre Massau e do nigeriano Ìdòwú Akínrúli na montagem. Lira tem uma premonição. “Acho que nunca mais vou vivenciar um processo tão especial quanto o desse espetáculo”. Ela atribui o sentimento à conjugação de “alegria, lágrimas, muita catarse” experimentada com os seus familiares.

“Foi tudo muito emocionante e acolhedor. Poder ver a história do meu pai pelos olhos da pessoa mais próxima dele, que é a minha mãe, mexeu demais comigo. Eu conhecia a história dele em pedaços, através de lembranças, casos, ou pelo que vivenciei. É a primeira vez que me encontro com ela do início ao fim, desde o nascimento até a passagem”, salienta Lira.

Ao convidar as pessoas “para dentro dessa casa”, a herdeira oferece aos sortudos a oportunidade de conhecerem “esse homem e artista cheio de nuances”, que a ensinou sobre “ética, coerência e obstinação”. “Acompanhei os altos e baixos do meu pai ao longo da carreira, e, se não fosse esse exemplo, eu não aguentaria os percalços da profissão. Sempre me lembro dele quando tento entender os motivos que ainda me fazem ser artista…”. Marku lançou seu primeiro LP em 1976.

Farol

Três anos antes, já havia participado de um álbum coletivo e posto na praça “Orange Lady”, em que recuperava a folclórica situação de uma mulher determinada de sua cidade natal, Pirapora. Os versos ali presentes iluminaram Lira, inclusive, quando ela cuidou do pai enfermo. Em 1978, Marku gritou, para o mundo todo ouvir, que era “Barrankeiro”, atributo dos que nascem na beira do Rio São Francisco com o destino de quem corre suave no leito e, de repente, espalha sua correnteza. “Essa música é a que melhor define o espetáculo”, acredita Lira, e, por consequência, até o indefinível Marku.

Serviço.

O quê. Espetáculo “Marku Musical”, com Lira, Júlia e Fatão Ribas

Quando. Desta sexta (10) a 10 de junho, de sexta a segunda, às 20h30

Onde. Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450)

Quanto. De R$15 (meia) a R$30 (inteira), pelo site www.ccbb.com.br/bh ou na bilheteria do teatro 

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