ARTES VISUAIS

Sebastião Salgado exibe seus primeiros trabalhos fotográficos no MIS, em SP

Em entrevista, fotógrafo nega aposentadoria, exalta a Revolução dos Cravos, que completou 50 anos em abril, e lamenta catástrofe climática que vitima o Rio Grande do Sul

Por Alex Bessas
Publicado em 08 de maio de 2024 | 08:54
 
 
 
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Não, Sebastião Salgado não vai se aposentar. É o que ele próprio garante em entrevista a O TEMPO, em que, com ênfase, desmentiu o boato que se espalhou no início deste ano, ganhando destaque inclusive na imprensa profissional. A confusão, diz o fotógrafo, teve origem na interpretação equivocada de uma entrevista concedia por ele ao jornal inglês “The Guardian”. “Estou com 80 anos e, por isso, preciso ter outro ritmo de trabalho. Eu não posso começar, agora, projetos de longo prazo, pois, considerando a expectativa de vida atualmente, há o risco de eu não terminar. Mas isso não significa que eu tenha parado de fotografar”, assinala, complementando que, no momento, vem trabalhando com a organização de seus próprios arquivos.

“Sou, possivelmente, o fotógrafo que mais trabalhou na história da fotografia em todo o mundo e tenho arquivos incríveis”, examina, antes de reforçar: “Eu não estou aposentando de forma alguma”.

Resultado desse recente empenho pode ser visto a partir de amanhã, no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, com a mostra “50 Anos da Revolução dos Cravos em Portugal”, em que Salgado apresenta uma série inédita, com curadoria de Lélia Wanick Salgado, celebrando o cinquentenário do movimento que, além de lutar pela democracia portuguesa, levou à independência de ex-colônias do país na África. “Este trabalho, por exemplo, recupera, nesse acervo, as minhas primeiras fotografias”, comenta ele, que iniciou sua trajetória artística em 1973. “Essa exposição tem registros de 1974. Era meu início como fotógrafo”, pontua.

Os registros, feitos em Lisboa, quando o fotógrafo era membro da Agência Magnum, retratam um momento descrito por ele como “terrível”. “Era um período em que tanto Portugal quanto o Brasil viviam sob os desmandos de uma ditadura”, lembra, sublinhando que, naquela época, seu país de origem tinha o ditador Emílio Garrastazu Médici no poder, enquanto os lusitanos viviam os anos finais de um regime antidemocrático que vinha se perpetuando por mais de 40 anos.

Salgado destaca que há pelo menos dois aspectos que tornam o projeto um tanto especial. “Para mim, é interessante apresentar essa exposição aqui, primeiro, porque em Portugal terminei de aprender a fotografar. Até então, eu não sabia utilizar flash. Eu não sabia direito utilizar minhas câmeras e fui afinando com a quantidade de trabalhos que executo naquele país”, estabelece. “E, segundo, Portugal, para mim, foi extremamente importante para que eu aprendesse a construir histórias fotográficas. Nessa exposição, há uma história estruturada, que tem início, tem meio e só não tem um fim porque o fim dela é a continuidade de um país na construção de uma democracia”, prossegue.

Foto em exposição na mostra “50 anos da Revolução dos cravos em Portugal”, de Sebastião Salgado | Portugal (1975) | Crédito: Sebastião Salgado
Foto em exposição na mostra “50 anos da Revolução dos cravos em Portugal”, de Sebastião Salgado | Portugal (1975) | Crédito: Sebastião Salgado

Além do apelo retrospectivo, a mostra é tratada pelo renomado e premiado fotógrafo como importante por versar sobre um tema atual: a luta pela democracia. “No final do ano passado, nós tivemos quase uma nova ditadura instalada no Brasil. Houve uma tentativa de golpe de Estado, que não deu certo”, avalia, fazendo menção a uma série de ações que tentaram minar o regime democrático brasileiro, estando sob investigação no inquérito 4921, que tem como foco autores intelectuais e instigadores do movimento antidemocrático que culminou na depredação de prédios públicos, na tentativa de impedir a posse de um governo legitimamente eleito, em 8 de janeiro de 2023. “Democracia é como um filho. Você tem que tomar conta, senão, não cresce; senão, desanda”, compara.

‘Não estamos preparados’, diz fotógrafo sobre catástrofe no Sul do país

Com a autoridade de quem passou 15 meses, ao lado do grupo Médicos Sem Fronteiras, capturando a devastação causada pela seca na região do Sahel, na África, para o projeto “Sahel: O Homem em Agonia”, de 1986, e passou por diversos países fotografando, entre 1993 e 1999, as lutas dos imigrantes, trabalho que resultou no livro “Êxodos”, publicado no ano 2000, Sebastião Salgado é categórico ao afirmar que não estamos preparados, seja como indivíduos ou como sociedade, para enfrentar o tipo de catástrofe que assola cidades no Sul do Brasil, tendo como epicentro o Estado do Rio Grande do Sul, destacando o ineditismo desses acontecimentos.

Nos territórios afetados, as chuvas causaram a elevação da vazante de rios, cuja cheia histórica avançou para os centros urbanos, provocando inundações e enchentes. “Nós estamos vivendo um momento dramático na história do nosso planeta e na história da humanidade, que está em perigo diante das mudanças climáticas”, lamenta o fotógrafo, que mantém um projeto ambiental no Vale dos Aimorés, na região do Rio Doce, em Minas Gerais, onde milhões de árvores são plantadas em um bem-sucedido processo de reflorestamento de uma região antes devastada.

“Nós não antevemos o drama climático que estamos presenciando agora, fizemos um processo de urbanização de qualquer jeito, que não considerou a possibilidade de que os rios correriam para fora dos leitos, como está acontecendo agora”, critica, asseverando que, em outros lugares do planeta, outros aspectos da emergência climática são também notáveis.

“Há países europeus que, no verão, estão se abastecendo de água com caminhões-pipa”, comenta, fazendo menção ao problema da falta de água para as populações. “E há ainda a questão do extermínio da biodiversidade, que tem consequências complicadas para agricultura, para a polinização de plantas”, ressalta, sublinhando a urgência de medidas concretas para conter ou, pelo menos, reduzir os impactos da atual emergência climática.

Maio fotográfico no MIS

A exposição “50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal”, em que Sebastião Salgado exibe seus primeiros trabalhos fotográficos, integra a programação do Maio Fotografia no MIS, em que o museu paulista propõe mostras com foco exclusivamente nesta linguagem, reunindo obras de artistas nacionais e internacionais, já consagrados e novos talentos.

A iniciativa exibe também as séries individuais de Thereza Eugênia, fotógrafa baiana que registrou de forma íntima o convívio de artistas brasileiros no Rio de Janeiro das décadas de 1960 a 1980; Sergio Poroger, que traz um resgate, esteticamente belo e ao mesmo tempo triste e necessário, dos cinemas de rua do Brasil e do mundo; Gabriel Chaim, experiente fotojornalista paraense, que cobriu diversas guerras, em registro do seus últimos dez anos na linha de frente da missão de registrar em imagens esses horrores e reunir as fotografias em exposição inédita e lançamento de livro; e Bruno Mathias, fotógrafo selecionado pelo programa Nova Fotografia do MIS,  com uma produção que nos remete à fantasia de paisagens tradicionais.

Além dos fotógrafos mencionados, a exposição conta com uma seleção da Coleção Allan Porter, trazendo imagens icônicas da memória coletiva do século XX e uma curadoria especial na coleção do próprio Acervo MIS, com quatro fotógrafas engajadas e com diferentes perspectivas por trás das lentes.

SERVIÇO:
O quê. Maio Fotografia no MIS 2024
Quando. A partir desta sexta-feira (10). Visitação de terça a sexta, das 10h às 20h; sábado, de 10h às 21h; e domingo, de 10h às 19h
Onde. Museu da Imagem e do Som – MIS (av. Europa, 158, Jardim Europa, São Paulo)
Quanto. R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia); grátis às terças-feiras e, na terceira quarta-feira do mês, graças a uma parceria com a B3, a entrada também é franca.
Mais informações. Classificação indicativa 10 anos.

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