De camisa vermelha, mascando chiclete e ouvindo rock’n’roll, os alunos internos do Colégio Cataguases, que vinham de outras paragens, “ganhavam todas as meninas da cidade”. “Era uma sacanagem com a gente”, conta, aos risos, o poeta e jornalista Ronaldo Werneck, natural do município mineiro, onde reside atualmente após décadas de Rio de Janeiro. Em 1959, Chico Buarque, aos 14 anos, era um desses “garotos estrangeiros”.
Werneck integrava uma turma mais velha, mas não ficou incólume à passagem relâmpago, que durou seis meses, do futuro compositor pela escola projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012) a pedido do escritor de verve modernista Francisco Inácio Peixoto (1909-1986), reconhecida pela linha intelectual e progressista. Foi o que motivou o historiador Sérgio Buarque de Holanda e a pianista Maria Amélia a enviarem o filho para Minas Gerais, preocupados com a “tamanha santidade” de Chico.
“Em São Paulo, ele andava acompanhado do pessoal da TFP (Tradição, Família e Propriedade), peregrinando até 8km para assistir à missa todos os dias, indo muito à igreja”, informa Werneck. Outros herdeiros ilustres compunham a paisagem do Colégio Cataguases, como Pedro de Moraes e Dori Caymmi, rebentos, respectivamente, de Vinicius de Moraes e Dorival Caymmi, assim como Carlos Imperial, que atuaria em segmentos populares na TV e no mercado fonográfico, empresariando astros da Jovem Guarda como Roberto e Erasmo Carlos.
“Todo mundo veio de castigo, os internos não queriam nada com nada”, afirma Werneck. Até que Chico “começou a se destacar como um aluno brilhante”. “Todo mês, sob os pilotis do colégio, havia um quadro de honra com os melhores alunos”. Quando a fotografia de Chico apareceu, alguém desdenhou: “Também pudera, o cara é filho do homem do dicionário”, lembra Werneck. A confusão era com Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), primo distante de Chico, certamente pela coincidência dos sobrenomes.
Ao revelar essa anedota para Chico, muito tempo depois, “ele quase bateu o carro de tanto que ria”, diverte-se Werneck. O humor foi outra marca do moleque Chico na instituição renomada. Com o codinome “Bananal”, assinava crônicas para o jornalzinho “O Pirilampo” e para uma rádio interna. A paixão pelo futebol também já se insinuava. Uma de suas atividades prediletas era torcer pelo amigo Alfredo Napoleão nos treinos do Flamenguinho contra o Operário, além de “jogar sinuca, passear na praça e frequentar o cinema nos finais de semana”.
Numa dessas andanças, assistiu ao desfile da banda de música do maestro Rogério Teixeira pelas ruas de Cataguases. O episódio alimentou especulações de que seu primeiro sucesso, “A Banda”, defendida por Nara Leão no II Festival de Música Popular Brasileira de 1966, quando sagrou-se vencedora, teria nascido na cidadezinha mineira. Sincero, Werneck acredita que “isso seja uma forçação de barra”. “Provavelmente, ele já tinha visto outras bandas antes”, sustenta.
Fato é que Chico, nas palavras de Werneck, “nunca mais voltou a Cataguases”, embora uma página no Facebook registre um único retorno, em 1973, levado pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da Universidade Federal de Minas Gerais. Em 2022, por iniciativa do vereador Rogério Filho (PCdoB), a Câmara Municipal concedeu o título de Cidadão Honorário de Cataguases a Chico Buarque, que, apesar da expectativa, ainda não foi receber a homenagem. No entanto, mandou um recado que surpreendeu Werneck. “Ele disse que é leitor das minhas colunas, é um negócio inacreditável! A última vez que o vi foi na década de 1980, quando agarrei no gol do (seu time) Politheama”, finaliza Werneck.