Até parece perseguição. Oito anos após “Divertida Mente” tirar o sonho de o Brasil levar um Oscar, ao ganhar a estatueta dourada concorrendo com “O Menino e o Mundo”, a produção da Disney cruza novamente o caminho do diretor Alê Abreu. Desta vez com a continuação protagonizada por Alegria, Tristeza, Raiva e outros sentimentos, que entra em cartaz justamente na semana em que o realizador é homenageado na 19ª edição da Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), com início hoje na cidade histórica. “O Menino e o Mundo” faz parte da programação, assim como os demais títulos da premiada trajetória do brasileiro.

Por parte de Alê, não há nenhum sentimento de mágoa ou injustiça. Até pelo contrário, ao lembrar com carinho do encontro com Pete Docter, que assina a direção da produção norte-americana. “Quando o nosso filme entrou na seleção, a Pixar fez uma sessão e Docter virou um grande fã”, lembra. Num dos jantares promovidos pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, antes da cerimônia, o realizador confessou certa inveja, para surpresa do brasileiro. “Ele disse que eu tinha uma coisa que não existia lá, que é uma liberdade absoluta para trabalhar. Nesse quesito, falou, eu estaria na frente”, recorda.

A homenagem da CineOP ao animador acontece justamente quando “O Menino e o Mundo” completa dez anos de lançamento – a seleção para o Oscar aconteceu dois anos depois, quando o filme já tinha faturado o principal prêmio do Festival de Annecy, na França, o mais importante dedicado ao segmento. “(Essa celebração) faz parte de um momento marcante da minha caminhada. É uma homenagem, sobretudo, à animação brasileira, que vem conquistando o seu espaço e crescendo. Acho que, no caminho, entendemos do que se trata isso que chamamos de animação brasileira”, registra.

Alê Abreu tem três longas-metragens no currículo. Antes de “O Menino e o Mundo”, ele fez “Garoto Cósmico” (2007). E, no ano retrasado, pôs nas telonas “Perlimps”. Pode parecer pouco, já que ele está envolvido na produção de animações há mais de três décadas, mas esse número diz muito sobre o formato no Brasil, que não desfruta do mesmo investimento dos Estados Unidos, e também do estilo sempre cuidadoso do diretor. “Eu queria ter feito mais, mas esse período foi totalmente preenchido por animação. Não teve um dia sequer em que não tenha pensado, desenhado ou sonhado com animação”, ressalta.

“Foram 30 anos dedicados com todo amor a esse trabalho de colocar poesia em filme de animação. É um processo muito trabalhoso e duro, uma massa difícil de modelar. Ele exige demais do artista. Exige produção, equipe e conhecimento técnico. Mas hoje o Brasil está caminhando num desenho de ter uma indústria de animação forte como outros países”, analisa. E ele teve papel importante nesse crescimento, especialmente com a indicação ao Oscar, em 2016, que também serviu para mostrar que Alê Abreu estava no caminho certo em seus propósitos de cinema. 

“O filme já tinha sido uma ruptura radical dos meus trabalhos anteriores, no jeito de fazer e de pensar a feitura de um filme. Visualmente falando, também é radical em seu estilo de desenho, em que temos quase um boneco palito como protagonista, com lugares em que o papel está praticamente branco. Ele tem um minimalismo, não tem diálogos. Além da validação da comunidade independente e mais artística da animação, o Oscar representou uma validação da maior indústria de animação do mundo. É como se estivesse dando um grito da própria animação nesse lugar”, avalia.

Para a animação do país, a indicação também estabeleceu um marco, como um antes e depois de “O Menino e o Mundo”. “Foi muito forte, como se tivesse colocado um holofote, chamando a atenção para países que até então não apareciam, ou apenas com uma participação ou outra em festivais, e somente com curtas. Mas ter um longa nesse lugar de destaque, entre os países de terceiro mundo, foi só o Brasil, né? Ele foi o primeiro filme ibero-americano nomeado em toda a história e serviu para mostrar que existem outras cinematografias e que a gente está aqui criando e fazendo acontecer”.

Abreu prepara continuação

Alê Abreu está novamente mergulhado no universo de “O Menino e o Mundo”. Em breve o filme deverá ganhar o que o realizador chama de um “derivado”, retomando o mesmo universo, mas com outro personagem no lugar do menino Cuca, que, na produção de 2014, parte para a cidade grande com o objetivo de reencontrar o pai e acaba descobrindo um mundo novo, marcado pela exploração do trabalho e pela falta de perspectivas.

“Estou buscando encontrar neste universo uma história que dialogue com ‘O Menino e o Mundo’ e responda a algumas perguntas que ficaram em aberto”, adianta. Ele não esconde a felicidade pela sequência, especialmente porque o premiado filme, após receber mais de 50 prêmios e percorrer cerca de cem países, já parecia uma página virada em sua vida. “A sensação que dava era quase de fechamento de um ciclo”, lembra.

“Que mais eu poderia querer? Naquele momento, eu queria fazer uma coisa nova, buscar novos ares. E o ‘Perlimps’, meu filme seguinte, veio como resposta a esse questionamento, resultando em algo completamente diferente, cheio de diálogos e cor. Após essa acalmada, resolvi retomar aquele fio e seguir com ele, vendo até onde ia dar”, ressalta Abreu, que garante não ter se sentido pressionado pelos números a fazer uma continuação.

“‘O Menino e o Mundo’ fez mais de 500 mil espectadores só nos cinemas da França. Não é algo para o qual você fica cego. Mas também não faria nada que rendesse a um chamado mais comercial. Foi, sim, um desejo muito sincero de voltar a esse universo, que é muito gostoso, com a liberdade que ele me proporciona”, assinala Abreu, que já está no quarto mês de desenvolvimento de </CW>storyboard. A produção terá investimento canadense