Aos 17 anos, durante a década de ouro do rock brasileiro, Lucélio Henrique ganhou uma guitarra e começou a dedilhar algumas notas. Poderia ser esse o momento mágico em que o fã começaria uma trajetória de sucesso na música. Mas não foi bem assim. O jovem morador de Venda Nova logo se desfez do instrumento para comprar uma moto. Quis o destino que, quase quatro décadas depois, ele se transformasse no “Senhor Rock” em Belo Horizonte.

Como isso é possível? Basta passar, no fim de semana, pela avenida Tereza Cristina, 295, na região Oeste, e constatar o tanto de cabeludo com roupa preta na porta. É ali que funciona o Mister Rock, principal reduto do bom e velho rock’n’roll na capital mineira. Se não for nenhum superstar, como Roger Watson (Pink Floyd) ou Metallica, é naquele antigo galpão que veremos alguns nomes fundamentais do estilo, nacionais e internacionais, destilando um som irado.

“Rock está na veia. A pessoa não deixa de curtir rock. Quem um dia curtiu pode até gostar de outras coisas, mas o roqueiro é mais radical. Gosta muito do rock a ponto de brigar. Chega essa época agora que ele até tira onda”, observa Lucélio à reportagem de O TEMPO, numa tarde de meio de semana, no interior escuro da casa de espetáculos. Vestido de preto da cabeça aos pés, como não poderia deixar de ser, o proprietário está se referindo ao Dia Mundial do Rock, celebrado hoje.

O celular não para. É distribuidora publicizando uma nova marca de vodca. Ou prestadores de serviços para os muitos eventos de rock que ele realiza. Foi assim, aliás, que tudo começou, ao deixar a venda de minério de ferro para ficar à frente de festas temáticas. “A ideia inicial nem era montar uma casa de show. Tinha acabado de fazer um evento de Carnaval com minha irmã, na Serraria Souza Pinto, e fui buscar um espaço para fazer a festa ‘Monstros do Rock’”, lembra.

Ele bateu com a cara na porta no galpão onde funcionou o Estação 767 (lendária casa que teve um show do Planet Hemp cancelado, com a prisão de todos os integrantes por “apologia às drogas”). O lugar tinha virado uma concessionária, uma semana antes. Num espaço vizinho, na mesma avenida dos Andradas, encontrou o que depois se tornaria o primeiro endereço do Mister Rock, aberto em 2016. “Comecei a fazer esses eventos a cada 15 dias, além de outras festas, como as LGBT”.

A vocação para os shows só começaria dois anos depois, já na casa atual. “Procurei os produtores que traziam shows de fora e falei que a casa estava disponível, que poderiam trazer para cá que não iríamos cobrar nada”, revela Lucélio, ao se valer de uma expressão de ouro (custo menor) nesse mercado. A banda sueca de metal sinfônico Therion foi a primeira a subir ao palco do Mister Rock, por onde passariam outros nomes de peso da cena roqueira. No dia 17, será a vez do Suicidal Tendencies.

“Hoje em dia, a maioria dos shows de médio porte, com público de mil para baixo, vem para cá”, afirma. O Senhor Rock não tem do que reclamar de plateia, buscando sempre agradar a todos os segmentos, do rock progressivo ao nu metal, passando pelo trash. “Hoje eu posso dizer que tenho um público fiel. Além do Mister Rock, faço muito evento fora, principalmente de rua. Vai muita gente que não frequenta pubs e casas de show normalmente, mesmo sendo roqueiros”.

Democratizar o acesso e apostar no rock autoral

Quem liga metaleiro a baderna está redondamente enganado. Os cabelos continuam compridos, mas agora estão mais brancos. E a roupa preta ficou puída com o tempo. “O público do rock é mais velho. A gente tem a moçada também, mas a média é de 35 anos para cima”, observa o dono do Mister Rock.

Atualmente o segmento que mais “bomba” é o nu metal, representado por bandas como Slipknot, Korn e Linkin Park. É também, por ser o subgênero mais recente, o que mais atrai uma plateia jovem. “Curiosamente também gostam muito da música dos anos 1970, talvez porque foi passando de geração para geração”.

O local difere bastante das outras casas de rock espalhadas por Belo Horizonte. O próprio Lucélio a define como underground. Ele abriu mão de uma decoração com imagens de lendas musicais para apostar no som. “Para mim, é o mais importante. Gosto de dar uma estrutura melhor para as bandas”, assinala.

Hoje a atenção de Lucélio está dividida entre o Mister Rock, os eventos de rua e também o Caverna, aberto em 2022, no Barro Preto. Era ali que funcionava o Stonehenge. “Era um espaço icônico para o rock. Não deveria ter fechado. Frequentei muito tempo antes de mexer com shows. Tentei usar a marca, mas o Sapão (antigo dono do Stonehenge) não estava decidido se voltaria a usá-la”, lamenta.

O próximo passo do empresário não tem a ver propriamente com os locais de shows, mas sim com a vontade de ver a capital mineira voltando a revelar bandas de rock para o mundo. “Quero fomentar o rock autoral. Meu sonho é que volte a estar presente nessa cena. Minha maneira de contribuir é colocar, no meio dos covers, metade de autoral”.

Outra missão é o que ele chama de “democratização do rock”. O Mister Rock foi uma das primeiras casas a permitir entrada gratuita até certo horário. “Sempre fiz, desde o primeiro evento. Hoje a maioria já faz. A ideia é democratizar o rock, para as classes A, B, C e D. O cara que não tem grana, ele vem e curte”, destaca.

Não pense que ele, ao chegar em casa, vá colocar um álbum na vitrola para ouvir um clássico do rock. “Quando viajo, até faço uma playlist para escutar na estrada. É bom para aliviar a mente. Em casa, não. Já escuto aqui. Mas não sou só eu. Numa confraternização com os funcionários, quando alguém sugeriu colocar rock, o pessoal reclamou: ‘Ah, já escutamos o tempo inteiro’”, lembra. Está perdoado, Lucélio.