No início da década de 1980, lembra Tizuka Yamasaki, o sexo ainda era um tema proibitivo. “As mulheres não podiam falar que tinham liberdade sexual. Isso era um tabu. E, em casa, não podiam pedir sequer um sexo que não fosse aquele papai e mamãe para fazer filhos”, recorda a cineasta, que, em seu segundo longa-metragem, “Parahyba, Mulher Macho”, lançado em 1983, tirou do limbo da História a trajetória de uma mulher à frente de seu tempo, sinônimo de contestação e ousadia – Anayde Beiriz, pivô do estopim da Revolução de 1930 ao se envolver com o político João Dantas.

Tizuka queria que a experiência contemporânea, ao se tomar contato com essa história até então “maldita”, fosse evocativa do papel de emancipação feminina estampado em Beiriz. “Eu lembro que falava assim na equipe: quero fazer uma cena de sexo para que, quando as mulheres assistirem ao filme, chegassem em casa e exigissem do marido uma performance à altura. Era a minha forma de contestar. A espectadora chegaria em casa e exigiria que o marido fosse o Cláudio Marzo. Não sei se isso aconteceu, mas a ideia era que as mulheres fossem mais exigentes em relação ao companheiro”, recorda.

O relato de Tizuka ilustra muito bem o tema da Mostra “Curta Circuito” em 2024. “Transgressoras Brasileiras do Cinema” reúne trabalhos de 11 diretoras, lançados entre 1973 e 1984, durante o chamado “anos de chumbo” no país. Coube justamente a “Parahyba” a abertura da programação, hoje, às 19h, no Cine Humberto Mauro. Filmes como “Os Homens que Eu Tive” (1973), de Tereza Trautman, e “Mar de Rosas” (1977), de Ana Carolina, serão exibidos ao longo do ano, sempre às terças-feiras, com entrada franca. Além de assinados por mulheres, têm em comum questões próprias do gênero.

Com presença no bate-papo que se seguirá à sessão, a realizadora gaúcha de olhos puxados (ela é filha e neta de japoneses), de 75 anos, conta que Anayde era uma persona non grata na Paraíba, na época das filmagens. “Tinha gente que não pronunciava o nome dela. Hoje virou praça. O filme ajudou muito nisso, assim como o livro do José Joffily, que foi o que, na verdade, me motivou a fazer o filme. Conseguimos resgatar uma personagem que é maravilhosa. Imagine, nos anos 30, uma pessoa libertária como ela, poetisa, que não queria se casar, provocativa, namorando com um cara que era figura muito forte na Paraíba”. 

Naquela época, o estado nordestino era dominado pelos Dantas e pelos Pessoa. “A Paraíba estava completamente dividida. E eles eram inimigos políticos mesmo, a ponto de um ficar querendo matar alguém da família do outro. Quando Anayde surge, foi natural que a parte vencedora massacrasse a figura e a colocasse no limbo”, registra Tizuka. Cartas íntimas trocadas entre Beiriz e Dantas foram parar nos jornais, provocando escândalo na puritana sociedade. Dantas acabou assassinando João Pessoa, então governador, fato que gerou repercussão nacional e levou Getúlio Vargas a tomar o poder, a partir da Revolução de 30.

“Fico muito contente de poder ter resgatado essa personagem, porque ela era especial. Ela dava aulas de uma forma mais moderna, fazia poesias e se deixava fotografar nua”, assinala Tizuka, que tinha em mente Sônia Braga para viver a protagonista. “Mas ela não pôde fazer porque estava indo embora para os Estados Unidos. Abri testes e fiquei com a Tânia (Alves). Ela tinha feito Maria Bonita para uma minissérie da Globo, e fez muito bem. Eu estava querendo um tipo nordestino, que tivesse essa miscigenação de indígena com negro e branco para fazer a personagem. A Anayde não era da elite branca”, observa Tizuka.

A química entre Cláudio Marzo e Tânia Alves é um dos pontos altos do filme. Nos bastidores, porém, a relação dos atores não foi tão amistosa. A atriz reclamou com a diretora que estava sendo maltratada pelo companheiro de cena. “Quando ela me falou, eu chamei o Cláudio e conversamos a três. Falei: ‘Vocês podem ter o problema que quiserem, mas fora do set. No set eu quero uma grande paixão entre Anyade e João. Conto com o profissionalismo de vocês’. E isso foi bom, porque eles foram extremamente profissionais. Não tinha filmado ainda nenhuma cena de sexo, e eles a fizeram maravilhosamente bem, convencendo o público que eram amantes de primeira categoria”, recorda.