Em cartaz no Minas Tênis, “Greice” se aproxima muito das comédias indies americacanas, especialmente àquelas que saem um pouco fora das convenções narrativas para injetar um humor que conversa com a realidade atual ou apresenta questões mais complexas por um prisma diferente. O nome da protagonista que estampa o título do filme já traz essa ideia de adaptação ao olhar brasileiro.

Em outro contexto, como estudante de Belas Artes em Portugal, a forma de agir de Greice talvez estivesse subordinada a uma outra cultura. Mas não é o que vemos no filme de Leonardo Mouramateus. Um dos grandes méritos de “Greice” é justamente o rompimento dessas fronteiras, em função de um mix cultural que é plenamente absorvido pelo roteiro.

Greice é autêntica, vivaz, radiante e com autoestima elevada. Questões como raça, procedência ou sexualidade nunca são colocados em questão, mesmo quando a gente espera que um dedo será apontado simplesmente por ser uma brasileira negra no exterior. Ela tem, por vezes, um jeito inusual para lidar com as coisas, mas, em nenhum momento, é “condenada” pelo público.

Greice lembra, de certa forma, a Lulu de “Totalmente Selvagem” (1986) ou a Susan de “Procura-se Susan Desesperadamente” (1985), por serem livres e se meterem em encrencas. A cantora para qual trabalha é quem melhor sintetiza a personagem vivida por Amandyra, observando as mentiras são um caminho para se chegar à verdade. No final das contas, é exatamente para onde a história irá apontar.

É um filme raro no cinema brasileiro, pois ao mesmo tempo em que notamos uma construção sólida da personagem, que é levada por um instinto de sobrevivência, ela faz parte daquele grupo de protagonistas que parecem ungidos, sempre saindo das enrascadas de uma maneira até melhor de quando entraram. As dificuldades surgem para trazer maior identificação. É uma Cinderela à brasileira, realizando as fantasias de criança com um jeitinho muito nosso.

A graça de Greice se deve primordialmente a Amandyra, uma artista multimídia  que esbanja vitalidade e carisma. Pelo material rico que o filme oferece, em torno do passado e do presente da personagem, seria possível até vislumbrar uma continuação ou uma série capitaneada por Amandyra, aprofundando, por exemplo, a relação com a cantora, com a amiga brasileira em Portugal e a família deixada em Fortaleza.

Por falar na capital nordestina, a história chega a atravessar o Atlântico, mas esse retorno, apesar de trazer novos elementos e personagens, não quebra o ritmo do filme. Há uma troca, saindo a amiga e o namorado português e entrando dois funcionários de hotel. Essa galeria que circunda Greice é muito rica, estabelecendo sempre um estado de leve comicidade. É preciso dizer que não há nenhum grande antagonista, a não ser os sortilégios da vida.

Em seu terceiro longa-metragem, Mouramateus exibe uma grande aptidão para manter esse tom do filme, percebendo com divertimento esse movimento constante de Greice, tanto físico quanto sensorial. Mesmo nas cenas em Portugal, quando as diferenças linguísticas soam como uma barreira, o cineasta sabe tirar bom proveito, desfazendo do peso histórico e estabelecendo um inteligente jogo com as palavras.