Se a confeitaria fosse um esporte olímpico, a hegemonia de chefs franceses, referência no assunto, poderia ser ameaçada pelo talento de Pablo Figueiredo, um jovem belo-horizontino que se tornou a sensação das redes sociais com receitas criadas a partir justamente de uma tradicional técnica da pâtisserie parisiense: os entremets – um tipo de preparo caracterizado por seu apelo cênico, sendo usados, por exemplo, para enfeitar vitrines.

O potencial pódio, claro, viria sobretudo se o concurso levasse em consideração o voto popular. Pelo menos, é o que se pode inferir ao passear pelas redes sociais do renomado e premiado chef confeiteiro Cédric Grolet, que já foi eleito o melhor chef pâtissier do mundo pelo júri do 50 Best e se tornou um astro no TikTok com seus doces com a aparência de frutas frescas. Para muitos, o francês teria subido o sarrafo da confeitaria mundial ao elevar iguarias à condição de arte. 

E é exatamente nos vídeos onde Grolet aparece ostentando essas preciosidades gastronômicas de encher os olhos que pipocam, cada vez mais, comentários exaltando o trabalho de Figueiredo. Muitos deles, inclusive, sugerindo que o mineiro de 21 anos – apelidado de “Cédric brasileiro” e “Cédric tanajura”, uma referência bem-humorada aos glúteos do rapaz – já superou o europeu.

@pablofigueiredoc Uma manga docinha :) Gostou? 🥭 #manga #mango #cedric ♬ Amarelo, azul e branco - ANAVITÓRIA & Rita Lee

“Quando comecei a fazer os entremets, uma grande insegurança era exatamente essa comparação com ele. Eu tinha medo que marcassem o Cédric nas minhas publicações debochando de mim, dizendo de uma forma pejorativa que eu estava tentando fazer os doces iguais aos dele… Para a minha surpresa, a comparação veio, mas de uma forma positiva, como se eu tivesse conseguido aprimorar essa técnica!”, anima-se o confeiteiro. 

“Isso me surpreendeu muito, muito mesmo. Inclusive porque o brasileiro tem um jeito único de se comunicar na internet – transformando tudo em meme, falando de uma forma leve e divertida –, então sei que tem esse componente também – e talvez o Cédric nem entenda muito bem essa dinâmica”, complementa, ao refletir sobre os diversos comentários feitos por brasileiros, que marcam o perfil dele nos vídeos do francês.

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Com franqueza e sem falsa modéstia, Figueiredo reconhece que esse retorno o deixou mais confiante sobre suas próprias habilidades. “Eu estava em um momento de fazer coisas legais, boas, bonitas, mas nada que encantasse tanto essas pessoas. Além disso, esses doces vieram para sacramentar um processo de mudança pessoal que eu já vinha atravessando”, menciona, lembrando que, recentemente, mudou-se de casa, abriu seu estúdio e precisou cortar alguns relacionamentos que não faziam mais sentido para si. “É engraçado como tudo andou junto, inclusive essa transição entre a confeitaria mais tradicional e a patisserie”, reflete.

Já sobre os constantes pedidos para que finalmente abra uma confeitaria, Figueiredo até indica que, talvez, no futuro, possa acontecer. Mas o empreendimento não está no seu horizonte de projetos a curto prazo – a menos que apareça algum investidor com uma proposta consistente que, nas suas palavras, viabilize um projeto que respeite a expectativa do seu público e seu próprio desejo de realizar um trabalho de excelência como confeiteiro.

De terceira

O sucesso com os vídeos de doces com formas de frutas realistas, lembra Pablo Figueiredo, não demorou, mas também não veio de primeira. “Os dois vídeos que fiz performaram bem mais ou menos. Mas, aí, veio a manga e mudou tudo. Ao todo, os três vídeos dessa receita tiveram mais de 10 milhões de visualizações no TikTok. Depois dela, foi um vídeo em cima do outro indo bem – e puxando para cima os dois anteriores”, celebra, dizendo sentir que os entremets o colocaram em outro lugar tanto como influenciador quanto como chef.

Doces com aparência de frutas frescas preparados por Pablo Figueiredo fazem sucesso nas redes sociais | Foto: Isadora D’Vale/Divulgação

Para ele, aliás, o êxito nessa empreitada, em parte, se explica por sua capacidade de adaptar uma técnica estrangeira à realidade brasileira. “Eu gosto de dizer que a gastronomia brasileira é antropofágica no melhor sentido da palavra, ou seja, tem essa capacidade de trazer o que é de fora, consumir e se  tornar nosso. E é isso que tento fazer”, garante, fazendo críticas ao puritanismo propagandeado por alguns chefs. Para ele, essa prática soa muitas vezes impeditiva ao se fechar para adaptações, trazendo consequências como o cerceamento da criatividade e a subutilização de ingredientes nacionais – temas que são uma bandeira para o mineiro.

“Embora a confeitaria em BH esteja em evolução, acho que ainda falta um pouco mais de ousadia e compromisso com a brasilidade”, comenta. “Eu noto que muitos restaurantes já estão atentos a isso e vem nesse movimento de resgatar ingredientes nossos, mas, quando chega a sobremesa… Aí tudo é muito mais do mesmo. São pratos que podem até ser bem executados, mas raramente trazem novidades”, assinala, fazendo críticas à caretice das receitas fáceis que teimam em ignorar toda a riqueza de insumos culinários do país.

Sonhos entrelaçados

Muito antes de pensar em fazer sucesso nas redes sociais, Pablo Figueiredo já aspirava o reconhecimento do público. “Sempre tive interesse em trabalhar com coisas que me dessem visibilidade. Quando era criança, por exemplo, queria ser ator”, admite. Foi esse interesse que o levou a fazer teatro. “Já fiz peças infantis com Jojô e Palito e Teatro Sesiminas e na Campanha de Popularização do Teatro e Dança de BH. Também já trabalhei com dublagem, inclusive na série “Zoom – o Golfinho Branco”, para o HBO Family, e fiz alguns comerciais”, enumera, destacando que, portanto, já possuía esse interesse de se comunicar com as pessoas, de falar com muita gente e – por que não? – de ser reconhecido e parado na rua.

O chef confeiteiro Pablo Figueiredo | Foto: Fred Magno/O Tempo

Mas, se a realização desse sonho não veio nem pelo teatro e nem pela televisão, restou a Figueiredo voltar a outra atividade que o acompanha desde a infância para, enfim, chegar lá. “Como toda boa família mineira, a minha também tem várias receitas incríveis e histórias através dessas receitas. E eu comecei na confeitaria justamente por conta da minha família, mas de um jeito diferente”, começa o rapaz, que prossegue explicando que, embora a mãe faça ótimos pratos salgados, ela não era muito adepta ao preparo de sobremesas. “E eu, como toda criança que gosta de doce, estava sempre atrás de um brigadeiro, de um bolo de chocolate, de um beijinho… E nessa vontade de comer doces, que eu comia na casa das minhas tias e da minha avó, tive que aprender a fazer”, conta. 

As aventuras gastronômicas, então, começaram cedo na vida do mineiro. “Com 8 ou 9 anos, eu já tinha feito um livro com cópias de receitas que fui pegando”, lembra, ressaltando que, naturalmente, muita coisa deu errado até começar a dar certo. “Eu tive que aprender na marra, com ajudas muito pontuais e eventuais das minhas tias ou da minha avó”, resume.

Brincando a sério

O que Pablo Figueiredo não esperava é que, na curva da infância para a adolescência, uma série de adversidades fizeram a brincadeira de criança virar coisa séria. “Quando eu tinha uns 11 anos, meus pais quebraram e perdemos muitas coisas. Deixamos de fazer viagens, eu fui da escola particular para a pública… Daí, mesmo com pouca idade e nenhuma experiência, decidi empreender do jeito que dava: vendendo meus doces na escola. E deu mais certo do que eu imaginava, com as pessoas comprando bastante – inclusive professores e coordenadores”, recorda. 

@pablofigueiredoc As mexericas aqui em casa são assim :) #frutas #mango #laranja #entremet ♬ MTG MORENA TROPICANA DJ LUAN GOMES LOIRIN PROD - DJ Luan Gomes

“Com o sucesso, minha irmã, interessada nesse recurso financeiro, se juntou a mim e começamos a trabalhar juntos. Com 14 anos, abrimos uma empresa e começamos a atender encomendas”, destaca. “Com o tempo, fui me profissionalizando e conquistei minhas titulações como chef, mas nunca fiz faculdade de gastronomia”, menciona, se reconhecendo autodidata na cozinha. “O que não significa que tenha sido fácil, porque, de verdade, tudo que aprendi foi fruto de muito suor e lágrimas, em um processo de aprendizagem muitas vezes solitário”, pondera.

No lugar certo, na hora certa

Pablo Figueiredo conta que, de início, não se deu conta que, nas redes sociais, poderia juntar as bagagens que tinha com o teatro e com a cozinha. Mas essa ficha não tardou a cair. “Uma vez, sem a menor pretensão, fiz um story fazendo café. E o pessoal gostou. Daí, fiz outro, preparando um sanduíche. E, de novo, deu certo”, recorda.

“Como eu já trabalhava com redes sociais – não na frente das câmeras, mas cuidando dos perfis de outras pessoas –, eu já tinha um bom domínio do que funcionava, do que não era bom e sabia que estávamos vivendo um momento importante, com o mercado de influenciadores crescendo, sabia que o TikTok, como era uma plataforma nova, estava impulsionando conteúdos, fazendo que os criadores conseguissem relevância rapidamente.”, descreve.

Foi a partir deste acumulado de experiências – e não por mero acaso – que veio a virada de chave: “Eu entendi que também poderia beber dessa fonte e comecei a postar”. O crescimento veio rápido. Nos primeiros meses, alcançou a marca de 10 mil seguidores. Dezenas de milhares que logo viraram centenas de milhares. Hoje, cerca de três anos depois desse processo de profissionalização, ele fala para uma audiência de 575 mil usuários no Instagram. No TikTok, o número é ainda mais expressivo: 1,1 milhão. 

Com tanto sucesso, hoje Figueiredo cuida apenas de seus próprios perfis e tem como principal fonte de renda os vídeos que compartilha em diferentes plataformas, que se convertem em publicidade paga.