A risada de BNegão, 50, preenche todo o ambiente. “Comecei a cantar ele já com 1 ano de idade”, diverte-se o rapper. A referência é ao disco “A Tábua de Esmeralda”, lançado cerca de seis meses depois que BNegão veio ao mundo, em maio de 1974. Com o tempo, o LP tornou-se um dos mais cultuados da trajetória de Jorge Ben Jor, que, na ocasião, ainda assinava apenas como Jorge Ben. Certamente, o universo não estava preparado para a alquimia musical que versava sobre ufologia e gravata florida.
O aniversário de meio século desse álbum, que teve suas faixas regravadas por gente da tarimba de Caetano Veloso a Zé Ramalho, passando por Gal Costa, Marisa Monte e Emílio Santiago, e que invariavelmente preenche as listas dos melhores da história, motivou o convite para BNegão apresentá-lo na íntegra, neste sábado (6), no Catavento Cultural, como parte do projeto Durval Sounds, cujo nome é inspirado no personagem do icônico filme de estreia de Anna Muylaert, um tipo aficionado por vinis.
“Topei essa ideia mesmo sem poder, na correria e no meio do tiroteio pela comemoração de 30 anos do Planet Hemp”, conta BNegão, que admite estar cabulando um ensaio do grupo fundado por Marcelo D2 e Skunk (1967-1994) para atender à reportagem. Por conhecer tanto o diretor Zé Mauro quanto o restante da banda que o acompanha sempre que ele vem a BH, o rapper garante estar “tranquilo”, e exalta a “competência e talento” da galera que tem agitado a cena musical da cidade.
Sem saber se essa homenagem à “A Tábua de Esmeralda” vai render futuros registros, BNegão tampouco é capaz de eleger a sua favorita do repertório, mas distribui elogios. “Me emociono com várias, como ‘Errare Humanum Est’, por exemplo. ‘Zumbi’ é de chorar. ‘Brother’ é absurda! ‘Os Alquimistas Estão Chegando Os Alquimistas’ eu acho perfeita”, enumera o cantor, que, em seus shows, costuma interpretar “uma versão diferente” para “Menina Mulher da Pele Preta”, o principal hit radiofônico do lendário LP.
Fã de carteirinha
Inicialmente, BNegão se relacionava com o sucesso “Os Alquimistas Estão Chegando Os Alquimistas” apenas como “uma faixa solta do disco”, até que, por volta dos 16 anos, começou a “pesquisar mais a fundo a música do Jorge, que sempre teve esse lado misterioso para mim”. A inigualável batida do violão e os temas de ordem mística logo conquistaram os ouvidos e o coração de BNegão. “Na época, ele estava no ostracismo, havia várias lendas em torno do Jorge, e eu ficava ligado nas músicas”.
Com o ápice do CD e os relançamentos de vinis, BNegão conseguiu ter “acesso a um momento cultural da música brasileira, que, antes era impossível”. “Até o estouro do Planet, eu nunca tive grana, tinha que ver o que pingava aqui e ali, não existia internet nem nada, a molecada não faz ideia”, compara. O encontro definiu para BNegão uma concepção que ele mantém até hoje. “Jorge, para mim, é um dos maiores do mundo! A obra dele é única. O jeito de compor, as metamorfoses que ele passou ao longo da carreira. E, esse disco, é um ícone dessa metamorfose, com uma excelência impressionante, uma mistura de groove, pretitude e intuições. Não tem nada parecido!”.
Na maturidade, BNegão teve o prazer de conhecer pessoalmente o ídolo, em “papos sobre música, com muita risada”, entrega. “Toda vez que o vejo, eu o abraço e não canso de agradecê-lo por tudo o que ele fez e continua fazendo na música brasileira e para a vida de tanta gente”, enaltece. Outra “figura mitológica” que BNegão teve a oportunidade de reverenciar foi Dorival Caymmi (1914-2008), com o aclamado espetáculo “Canções Praieiras e Outras Estórias do Mar”, que estreou no ano de 2018.
“Foi uma parada que mudou a minha vida de forma bruta, num contato com a música dos mestres de forma bem pessoal. Virou uma espécie de reza para mim, é diferente de tudo que já fiz e nem sabia que podia cantar”, afirma BNegão, que, “com essa escola”, garante ter saído “melhor como ser humano, usando melhor a voz”. “Dorival se transformou em um orixá para mim”. O projeto deu vazão a um minidocumentário, exibido recentemente no Festival de Cinema de São Paulo, e tem propostas para ser levado ao palco em Barcelona, na Espanha. A agenda de BNegão traz mais novidades.
Futuro em aberto
Em fevereiro, o single “Canto da Sereia” anunciou o primeiro álbum solo de BNegão, “Metamorfoses, Riddims e Afins”, previsto para invadir as praças até o final do ano, com versões de sucessos alheios e autorais, como “Dança do Patinho”, dueto com o Baiana System, que, há tempos, move multidões pelas ruas no Carnaval de Salvador, e, até hoje, não foi lançada em disco. “Injustiça” também promete surgir repaginada. No horizonte, ainda há outro trabalho de inéditas do rapper, afora as “comemorações insanas, com uma porção de convidados”, pelos 30 anos de som e fumaça do Planet…
BNegão poderia “ficar horas falando sobre música, mercado e a questão da maconha”, em relação às mudanças que o Brasil atravessou nessas últimas três décadas, mas prefere focar no assunto mais latente. No fim de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, e fixou a quantia de 40 gramas para diferenciar usuários de traficantes, encerrando um julgamento iniciado 9 anos antes. “Ao mesmo tempo que é um avanço, um passo importante, ainda estamos atrasadíssimos em relação ao mundo todo, só para variar…”, ironiza o músico carioca.
BNegão descreve a polêmica em torno da matéria como “um cabo de guerra entre a ciência e os negacionistas”. “Não é tese de maconheiro, se colocar o (neurocientista e biólogo) Sidarta Ribeiro para debater com esses terraplanistas, os caras não aguentam 5 minutos”, dispara. O artista permanece desconfiado com a decisão. “Estamos tão desacostumados com passos em direção à luz que a gente comemora de forma absurda. Quando eu ver a primeira leva de presos com 40 gramas ser libertada, aí eu vou comemorar. Temos um Congresso bizarro, cheio de canalhas que só querem o mal da população. O cabo de guerra é parte do processo político, mas aqui estamos batendo recorde”, lamenta BNegão, que manda o seu último recado: “Palestina Livre!”.
Serviço.
O quê. BNegão canta “A Tábua de Esmeralda”
Quando. Neste sábado (6), a partir das 16h
Onde. Catavento Cultural (rua Ozanam, 700, Ipiranga)
Quanto. A partir de R$80 pelo site www.shotgun.live