Não é de hoje que Belo Horizonte tem uma vigorosa cultura funkeira. No finalzinho dos anos 80, era comum que, aos fins de semana, quadras esportivas se transformassem em ponto de encontro entre artistas locais e um público ávido pelo estilo que começava a despontar por aqui – a da Vilarinho era uma delas.
ENTENDA O QUE É MTG:
Anos mais tarde, esporadicamente, surgiam funkeiros que levavam a batida daqui para o Brasil inteiro, como MC Papo, com seu hit alucinante “Piriguete” (2006), e a envolvente “Na Ponta Ela Fica” (2015), de MC Delano.
Acontece que, de uns tempos para cá, o funk extrapolou as montanhas de maneira bem mais contundente. Basta abrir o Spotify para ver que há vários representantes das Gerais nas paradas musicais brasileiras, com nomes como o dos belo-horizontinos WS da Igrejinha, DJ Sammer, MC Laranjinha e Mc Mininin. O mesmo vale para as redes sociais. São muitas as músicas que receberam a roupagem belo-horizontina listando nas trends do TikTok e do Instagram.
“Se você for em qualquer baile do Brasil e não tiver nenhuma música de BH, com certeza não é uma festa completa.” A fala é de Wallyson Alexandre da Silva, de 30 anos, mais conhecido como WS da Igrejinha. Com quase oito milhões de ouvintes mensais somente no Spotify, ele é um dos grandes responsáveis pelo salto impetuoso no funk de BH. Isso porque o morador da Igrejinha (região onde mora, no Aglomerado da Serra, daí o seu nome) produz, desde 2018, várias MTGs (abreviatura para montagem). Com isso, acabou popularizando o subgênero musical do funk.
Não que o estilo seja novo. Os cariocas DJ Marlboro e DJ Meme já exploravam as montagens musicais com várias vozes e elementos sonoros na década de 90. Mas agora, graças à internet, há um espraiamento descentralizado de um sem-número de produções musicais, e as MTGs viraram febre. “Eu, por exemplo, já curtia as MTGs feitas no Rio de Janeiro desde os meus 15 anos, porque o funk de lá tinha mais notoriedade, e o daqui não era tão conhecido. Mas quando comecei a fazer música, desenvolvi a minha própria referência”, analisa WS da Igrejinha.
Ainda assim, ele prefere não credenciar a si o estouro do estilo. “Vieram muitos DJs antes de mim, como Fiuza, Deluca, Delano… São pessoas que fizeram a base do funk de maneira muito criativa. A diferença é que tenho um ritmo diferente, mais subterrâneo, assombrado”, evidencia. O artista é gerenciado pela Dalãma Records, cujo proprietário é seu melhor amigo de infância, Fred Dalãma.
A reportagem visitou, no fim do mês passado, a produtora localizada no Serra e conferiu uma estrutura bem equipada, com dois estúdios de ponta. Bem diferente de quando eles começaram. “Nós pegávamos um balde, forrávamos com espumas verdes e colocávamos dentro de um guarda-roupa na casa do WS da Igrejinha. Era assim que gravávamos as músicas. Mas começaram a aparecer vários artistas, e, depois de um tempo, conseguimos alugar uma casa para produzir os hits”, conta Fred Dalãma. Hoje, a produtora, que tem como símbolos uma aranha e um fantasminha, agencia 16 artistas.
Dentre eles, estão os DJs Sammer e Scar e o cantor TH da Serra. O primeiro é o responsável pelos beats de “Aquariano Nato”, que, mesmo após quase um ano de lançamento, ainda figura na lista Top Músicas Brasil, do Spotify, e já soma mais de 130 milhões de audições. Nascido no São Gabriel, Summer Cecílio Jorge, 25 anos, conta que opta pelas canções feitas do zero. “Hoje, prefiro fazer músicas exclusivas, com batidas próprias. E, graças a Deus, está dando certo. ‘Aquariano Nato’, feita com MC Saci, estourou”, fala.
Com apenas 20 anos, Thiago Pereira Silva, o DJ Scar, acumula mais de 60 milhões de plays em suas músicas “Aqui em BH Ninguém É de Ninguém”, “Eu Errei, Eu Fui Muleque” e “Bom Dia”, que, dentre outras coisas, exaltam os famosos bailes funks ocorridos no Serra. “Eu faço montagens e remixes, sempre priorizando um ritmo dançante. Quando escuto uma música, já penso se ela tem um ritmo que as pessoas vão gostar de dançar. Daí, faço a montagem”, explica o DJ Scar.
Morador da rua da Água, reduto dos bailes do “Serrão”, Thiago Souza Dias, de 26 anos, conhecido como TH da Serra, canta um funk que ecoa com frequência pelos arredores do aglomerado: o proibidão “Não Vou Namorar”, uma MTG da música “Já Sei Namorar”, dos Tribalistas.
A canção chegou a entrar nas plataformas de streaming, mas acabou sendo derrubada. “Conseguimos autorização do Carlinhos Brown, mas não da Marisa Monte, e estamos tentando resolver esse B.O”, afirma TH da Serra. Segundo Fred Dalãma, até agora, a produtora destinou R$ 20 mil aos artistas originais da obra.