M. Night Shyamalan, célebre pelas reviravoltas que marcaram "O Sexto Sentido" e "Sinais" no imaginário popular, está pronto para manipular os espectadores novamente em "Armadilha", que chega aos cinemas na próxima quinta-feira (8). Herdeiro de Alfred Hitchcock e Steven Spielberg, o cineasta encara sua produção, às vezes tétrica, com um viés lúdico.
"Há duas coisas reais que interessam o público: dinossauros e serial killers", diz Shyamalan à reportagem. "Ambos são monstros que existem e nos espantam."
O tiranossauro da vez é Josh Hartnett, encarnando em seu corpanzil de 1,90 metro Cooper, um bombeiro e pai amoroso que acompanha a filha, Riley, em um megashow que lembra os de Taylor Swift, mas feito pela artista fictícia Raven, vivida por Saleka, filha de Shyamalan e cantora na vida real.
Logo sabemos (e esse não é o "plot twist"), o protagonista é também um serial killer, o Açougueiro, que esquarteja as vítimas que rapta pela Filadélfia, e aquele show é uma operação policial disfarçada para capturá-lo. Daí, seu instinto paterno começa a se confundir com a selvageria do assassino que estuda minuciosamente, junto da câmera de Shyamalan, a arena do evento para encontrar a saída.
Depois de uma sequência de filmes que desafiam a fé do espectador com elementos fantásticos, caso de "Tempo" e "Batem à Porta", o diretor investe numa narrativa realista, "mas com todo o sabor de uma história sobrenatural", como ele diz.
"As estatísticas são impressionantes, 4% das pessoas no mundo são sociopatas. Elas não têm empatia. Isso não quer dizer que vão fazer picadinho das pessoas, mas elas fingem ter sentimentos. O terrível, para o resto dos 96% de nós, é saber que alguém próximo a você pode não sentir nada."
Depois de "Fragmentado", com James McAvoy no papel de um criminoso com um transtorno que o faz alternar entre 23 identidades, agora interessa a Shyamalan a convivência dessas sensibilidades diferentes.
"A grande sacada foi levar ao público a perspectiva do antagonista, e nos fazer gostar e torcer por ele", afirma Hartnett, que se entrega ao papel com uma atuação expressionista, cheia de caras e bocas, para traduzir essa constante dúvida sobre as emoções do vilão protagonista.
A nova produção vem também na esteira de um novo reconhecimento do intérprete, marcado por anos como o galã de "As Virgens Suicidas", de 1999. No ano passado, ele viveu o físico Ernest Lawrence no oscarizado "Oppenheimer", protagonizou um episódio da sexta temporada de "Black Mirror" e, no mês passado, fez uma ponta em "The Bear".
É uma nova aposta para quem há quase 20 anos tateava produções de prestígio, como "Dália Negra", de Brian De Palma - como um policial que investigava um assassinato escabroso - , em paralelo com o cinema de ação comercial.
"Brian tem uma sensibilidade única, muito ligada aos anos 1970, que conduz o público por meio de sequências incríveis. Já o Night é um cara que sabe o que audiência de hoje quer, tem mais simpatia pelo público e se preocupa em ser original", diz Harnet, destacando a percepção de construir um thriller, mesmo com clichês inescapáveis, num ambiente tão atual.
Nem o diretor, nem o ator, porém, dizem ter ido antes das filmagens a um show de Taylor Swift para captar esse espírito do tempo. (Henrique Artuni - Folhapress)