O ator japonês Koji Yakusho é um dos responsáveis pelo sucesso de “Dias Perfeitos”, filme do alemão Wim Wenders que transforma a simplória rotina de um zelador de banheiros públicos numa emocionante ode a uma forma de existência mais despojada e sem grandes ambições. Premiado no Festival de Cannes do ano passado, Yakusho tem um papel bastante parecido em “Família”, em cartaz nos cinemas.

Como Hirayama, o personagem de “Dias Perfeitos”, Seji tem uma vida bem simples. Ele é um artesão e, já nas primeiras cenas, acompanhamos o minucioso trabalho manual de produção de cerâmicas. Assim como no filme de Wenders, esse labor ao mesmo tempo repetitivo e desestressante (aos nossos olhos) é interrompido pelos desdobramentos de uma sociedade em transformação.

Por mais que tentem reduzir ao mínimo o contato com outras pessoas, Hirayma e Seji não conseguem ir contra a natureza do ser humano. Nos dois casos, há uma história de fuga relacionada a vivências do passado que também levam a esse momento de isolamento. A grande diferença é como se dá a narrativa, circular em “Dias Perfeitos” e trilhada em duas vias no filme de Izuru Narushima.

Enquanto Seji refuta a ideia de um retorno do filho para a pequena cidade onde mora, pois só consegue enxergar decadência naquele lugar, em outro movimento vemos a dificuldade de jovens imigrantes brasileiros (os dekasseguis, como são chamados os trabalhadores estrangeiros no Japão) em serem aceitos por aquela cultura, sofrendo preconceito pelos traços miscigenados.

Narushima destaca essas diferenças a partir da cor da pele, da forma do corpo e das roupas, em contraponto a uma certa uniformidade dos japoneses, perceptível principalmente no filho de um mafioso que não gosta de brasileiros. O conflito se estabelece a partir dessa intolerância, que ganha um caráter quase didático na maneira como a expande para as muitas guerras travadas hoje em dia.

Há um descompasso entre as histórias, com a decisão de Seji em não querer o filho de volta, ainda que para o bem dele, se sobrepondo a outra. Há vários questionamentos que nos devolvem a “Dias Perfeitos”, como o sentido de felicidade e o mundo globalizado. Há ainda o tema da redenção, que conecta Seji aos dekasseguis, amarrando satisfatoriamente essas duas partes.

É interessante ver a questão dos imigrantes brasileiros ganhar relevância num filme estrangeiro, apesar de, por vezes, ficar preso ao sub-gênero das tramas de gângsteres. O desejo de Narushima era dar equivalência aos personagens do filho de Seji e ao jovem brasileiro Marcos (interpretado por Lucas Segae, lutador profissional de kickboxing no Japão), mas que fica no meio do caminho.

Ao final, percebe-se que “Família” busca, num sentido de “causa e efeito”, resolver os dilemas pessoais de Seji, diferentemente de “Dias Perfeitos”, com a situação dos dekasseguis sendo uma espécie de escada para se chegar mais facilmente a essa conclusão. Com isso, os jovens brasileiros se materializam apenas como vítimas, com Marcos não conseguindo provocar identificação.