Cego, ele perguntou: “Como está o dia?”. E a resposta foi implacável: “Negro”. O diálogo aconteceu entre o pianista Fernando Costa e Maria Bethânia, durante uma turnê na Alemanha, em 1972, e originou “Choro Negro”, lançado um ano depois, no álbum “Nervos de Aço”, de Paulinho da Viola, parceiro de Costa na composição.

Cristóvão Bastos, que, neste sábado (14) homenageia Paulinho da Viola com o espetáculo “Choro Negro” dentro da programação da série BH Instrumental, ao lado de Mauro Senise, participou da gravação original do choro, e faz questão de ressaltar o seu magnetismo, ao mesmo tempo em que lamenta certa falta de reconhecimento. 

“Essa música tem uma harmonia que não era muito comum no choro naquela época, principalmente na primeira parte. É uma parceria belíssima do Paulinho com o Fernando Costa. Aliás, hoje em dia é moda esquecer nome de compositor”, reclama Cristóvão. Ao eleger as canções que integram a homenagem, ele e Senise seguiram o norte que os acompanha há décadas.

“O critério básico de um músico é a beleza da melodia”, resume. A possibilidade de exibir a verve autoral também pesou. Cristóvão diz que Paulinho da Viola, famoso por sucessos como “Pecado Capital”, “Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida”, “Para um Amor no Recife”, entre outros, tem “um lado de compositor instrumental muito forte”, explorado no LP “Memórias Chorando”, de 1976.

E cita, como exemplo, “Sarau para Radamés”, tributo ao maestro e arranjador brasileiro Radamés Gnatalli (1906-1988), e que, segundo Cristóvão, já se converteu em clássico. “Continua atual até hoje”, garante ele, que aproveita o ensejo para abordar duas parcerias com Paulinho que estarão no show deste sábado.

“Um Choro pro Waldir”, recorrente nas rodas de choro, como comprovam os registros que Cristóvão recebe pelo celular, e “Não Me Digas Não”, que os músicos mineiros Lucas Telles e Luísa Mitre gravaram para comemorar o Dia Nacional do Choro, em 2020. “Brinco com o Paulinho que estou tocando 50% da nossa obra nos shows, porque temos quatro parcerias”, diverte-se Cristóvão, que emenda: “Quatro parcerias, e umas duas ameaças!”, brinca.  

Amizade

Cristóvão afirma que “seria fácil aumentar essa porcentagem, mas está todo mundo atarefado, na estrada”. Claramente, um simples encontro resolveria a questão. Ele e Paulinho se conheceram na década de 1970, e logo se tornaram compadres. Paulinho é padrinho do filho mais velho de Cristóvão.

Contratado de uma boate em Copacabana onde gente como Erasmo Carlos, Nara Leão e Ciro Monteiro se apresentavam, um dia Cristóvão deu por lá com Paulinho da Viola, e de cara eles engataram um papo. A sintonia resultou em trabalhos em discos, shows e excursões. A amizade foi “selada definitivamente” em um aniversário de Paulinho na Barra da Tijuca.

“Paulinho tem uma seriedade muito grande quando faz as coisas, e tem acesso a grandes melodias que parecem estar dentro dele”, insinua Cristóvão, lembrando “a incrível escola” que o músico teve em casa. Filho de César Faria, integrante do histórico conjunto Época de Ouro, fundado por Jacob do Bandolim, Paulinho não desperdiçou a chance de conviver, ainda na infância, com os maiores ases do gênero.

Não por acaso foi nomeado pelo compositor Batatinha como “Ministro do Samba”, na música homônima lançada em 1973. “Paulinho é muito preocupado com a harmonia, é um grande músico, com uma formação excepcional”, complementa Cristóvão. 

Futuro

O pianista fala de cadeira. Parceiro de Chico Buarque em faixas como “Tua Cantiga” e “Todo Sentimento”, atualmente ele está “planejando o planejar”, em suas próprias palavras, mas deixa escapar a possibilidade de um álbum em reverência a Garoto (1915-1955), com Romero Lubambo e Mauro Senise. “Não tive um intervalo para começar a pensar nessas coisas, ainda é cedo para revelar. Mas estou estudando a música sempre, o tempo todo”, arremata Cristóvão. 

Serviço

O quê. Homenagem a Paulinho da Viola na Série BH Instrumental, com Cristóvão Bastos e Mauro Senise

Quando. Neste sábado (14), a partir das 17h

Onde. Praça Floriano Peixoto, no Santa Efigênia

Quanto. Gratuito