Ney Matogrosso embalou o fim da tarde do último dia da edição de 40 anos do Rock in Rio. Ele tocou mais cedo do que estava escalado, após a substituição dos horários no palco Sunset, o segundo maior do festival.

O show do BaianaSystem com o Olodum, marcado para 17h55, foi adiantado para o começo da tarde, quando aconteceria a homenagem a Alcione. Esta apresentação, por sua vez, foi deslocada para as 20h10, horário que seria ocupado por Ney.

Apesar da confusão, a plateia no Sunset estava bem cheia para ver a lenda da MPB. Neste domingo (22), a sensação é de que há mais gente no Parque Olímpico, onde acontece o Rock in Rio, do que na véspera, o "Dia Brasil", dedicado a atrações nacionais.

Ney mostrou o repertório com o qual vem fazendo turnês nos últimos anos, começando com "Bloco na Rua", passando por "Jardins da Babilônia", famosa com Rita Lee, e "O Beco", com os Paralamas do Sucesso. Em "Pavão Mysteriozo", sucesso de Ednardo dos anos de 1970, arrancou gritos da plateia.

O que deu unidade ao show de Ney, com repertório diverso em que abarca a música brasileira do rock ao samba, é seu poder de interpretação. Sua voz segue caminhando por agudos cintilantes e graves delicados, como se tivesse sido encapsulada e preservada ao longo das décadas.

Se não tem tantos trejeitos dançantes, a apresentação de Ney exalou uma beleza melódica que captou o público pelo ouvido, mais do que pelo corpo. Depois de "A Maçã", o cantor ouviu declarações de amor da plateia, que respondeu com simpatia, sem nunca perder a elegância.

Não é difícil entender por que Ney continua lotando estádios --como fez no Allianz Parque, em São Paulo, neste ano-- aos 83 anos. Além do carisma inegável de sua personalidade, ele no palco segue performático mesmo sem a presença ferina de quando despontou há mais de cinco décadas no Secos & Molhados.

Ney hoje não precisa fazer estripulias animalescas com o corpo para captar a atenção de seu público. Às vezes, a sensação é de que consegue dizer tudo apenas pelo olhar --um poder expressivo tão raro quanto sua trajetória na música brasileira.

Ele encantou com "Yolanda", de Chico Buarque, e balançou com "O Último Dia", de Paulinho Moska, em levada sutil de funk, e injetou energia na plateia com uma versão roqueira de "Sangue Latino". Ovacionado, ele só deixou a pose cool para dizer que não faria a cerimônia usual do sair do palco e voltar para um bis.
A sequência final foi daquelas que o Rock in Rio sonha emular a cada edição --sucessos bem interpretados para uma plateia que cantou junto com os braços para cima. Começou com "Poema", passou por "Balada do Louco" e acabou com "Pro Dia Nascer Feliz".

A última delas, cantada pelo próprio Ney na primeira edição do Rock in Rio, há quase 40 anos, é uma das músicas mais exploradas comercialmente pelo festival para se divulgar. Toca, por exemplo, nas propagandas veiculadas nos palcos do evento ao longo de seus sete dias.

Mesmo bastante gasta, a depender do contexto, como neste começo de noite no Sunset e na propriedade da voz do cantor, ela ainda tem força para comover. É como o magnetismo de Ney, que parece inesgotável --pelo menos "até um dia, até talvez, até não sei quando", como ele disse ao sair sorridente do palco sob gritos de "mais um".

O jornalista viajou a convite da Natura

*LUCAS BRÊDA / FolhaPress