Dos bastidores, o que ela viu foi “uma coisa de louco, linda, arrebatadora”. Sem economizar nas palavras nem dispensar a hipérbole, a cantora Aline Calixto, 43, se recorda de um “espetáculo memorável” de Caetano Veloso na rua, que ela assistiu em São Paulo. “O Caetano traz essa energia, né? Ele envolve muito a plateia”, elogia Aline. O músico Sérgio Pererê, 48, define Maria Bethânia como “uma entidade”.

Ele a conheceu através de canções românticas como “Terezinha” – clássico de Chico Buarque parodiado pelos Trapalhões –, antes de se impactar com a interpretação para “Cálice”, e, posteriormente, se viciar na doce malemolência de “Gostoso Demais” (de Dominguinhos e Nando Cordel), que o levava para “um lugar mais interno do coração”. Já o cantor Mauro Zockratto, 61, assistiu Caetano pela primeira vez ao vivo no final da década de 1970, durante a turnê do LP “Cinema Transcendental”, no Palácio das Artes.

Neste sábado (7), Caetano e Bethânia chegam a Belo Horizonte com a turnê que os coloca novamente no mesmo palco em viagens pelo país após quase meio século, o que não acontecia desde 1978, em encontro que ficou sintetizado no dueto dos irmãos para a canção “Tudo de Novo”, que volta ao repertório e proclama, logo na abertura: “Minha mãe, meu pai, meu povo/ Eis aqui tudo de novo/ A mesma grande saudade/ A mesma grande vontade/ Minha mãe, meu pai, meu povo”, dizem os versos.

“Caetano e Bethânia são a música brasileira”, resume Aline Calixto. Para a artista, “eles contam o Brasil de várias formas, em várias etapas e momentos históricos importantes”. “A discografia da música brasileira passa, obrigatoriamente, por Bethânia e Caetano. Tem aqueles que amam e os que não gostam, mas a importância é inegável”, salienta Aline.

Repertório

Apresentada por Caetano Veloso no III Festival Internacional da Record, em 1967, “Alegria, Alegria” marcou o início do movimento tropicalista do qual o baiano, ao lado de Gilberto Gil, se tornou o principal baluarte no campo da música. A faixa abre-alas da atual temporada, num dueto de Bethânia e Caetano, que entoam: “Caminhando contra o vento/ Sem lenço e sem documento”.

Na sequência, eles trazem a baila “Os Mais Doces Bárbaros”, que repercute o quarteto de aura hippie formado por eles com Gil e Gal Costa (1945-2022) nos anos 1970, antes de atacarem com “Gente”, cujo refrão determina: “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. A faixa foi uma das regravadas no tributo que Xande de Pilares dedicou a Caetano. “Quando Caetano vem para a voz de um sambista, para as rodas de samba nas quais, na verdade, ele sempre esteve, parece que fica ainda maior, é muito impactante”, afirma Sérgio Pererê.

Ele compara esse reencontro de Bethânia e Caetano no palco à “passagem de um cometa Halley”, e o correlaciona a “um conjunto de ações que estão acontecendo na música brasileira, que sugerem a fundação de uma nova era”, citando as turnês de despedida de Milton Nascimento e Gilberto Gil.

“A gente está aí para ver e colher esses respingos de luz. Estamos vivendo uma era pontual na música brasileira, e esse show é um desses fenômenos. É um encontro que já existia, mas, agora, decreta uma espécie de marco para a gente perceber aonde a música brasileira chegou e para onde ela vai”, acredita Pererê. Mauro Zockratto também define o reencontro como “histórico”. “Bethânia e Caetano são preciosidades da música e da nossa arte como um todo. Serão eternizados pela obra vasta e expressiva que atravessa mais de 6 décadas”, diz.

Do eclipse ao carcará

Aline Calixto cresceu numa família onde “se ouvia de tudo”. Ainda na infância, pulando e dançando, Caetano Veloso abriu a porta de sua casa ao som de “Eclipse Oculto”, em letra sagaz e descontraída sobre um fim de caso que ia de Djavan a Tim Maia. “Eu não entendia muita coisa ali, mas achava ótimas aquelas falas: ‘não me queixo, eu não soube te amar, mas não deixo de querer conquistar uma coisa qualquer em você, o que será?’”, cantarola Aline.

“E ficava aquela pergunta no ar, eu adorava aquilo! Devia ter uns 6, 7 anos”, relembra a intérprete. O hit recebeu uma versão de Cazuza (1958-1990) em 1984, ainda à frente do Barão Vermelho. Envolvida pelo “turbilhão de Caetano”, Aline chegou até Bethânia, por intermédio de “Reconvexo”.

“Essa canção tem aquilo do Caetano de jogar na cara, falar na lata as insatisfações dele”, sustenta Aline, que dá voz à música em suas rodas de samba. Segundo ela, Bethânia, interpretando, “é algo à parte”. “A forma como ela canta com o corpo, o gestual, o olhar, como ela se expressa, é muito forte e potente. Bethânia é uma exímia intérprete, que serve de inspiração para todas nós”, enaltece.

Mauro Zockratto nunca se esqueceu de quando, bem menino, sofreu o primeiro impacto da estrela, durante o comercial de um brinquedo com o nome de “Carcará”, alusão ao inaugural sucesso de Bethânia, que passava na TV. “Bethânia veio permeando minha vida com seus discos históricos, como ‘Rosa dos Ventos’ e ‘Drama Terceiro Ato’”, afiança o cantor, frente a “uma artista que não era uma cantora somente e que fazia do palco um outro universo”.

Terreiro

Sérgio Pererê, que aprendeu a tocar “Sampa” no violão graças a uma revistinha de acordes da época, encantou-se definitivamente com “o quanto uma palavra pode significar tanta coisa ao mesmo tempo”, e, no decorrer dos anos, conectou-se de maneira cada vez mais profunda com Bethânia pela “relação com o candomblé e a cultura popular”. Aline Calixto seguiu a mesma trilha.

“Bethânia é muito macumbeira, né, gente? Ela é filha de Iansã. Todas as músicas dela que abordam essa temática são muito especiais para mim”, declara Aline, que elege o disco “Mar de Sophia”, de 2006, como um de seus prediletos da “Abelha-Rainha”, muito por conta de “A Dona do Raio e do Vento”, de Paulo César Pinheiro. Outra preciosidade que ela destaca é “Rainha Negra”, parceria de Moacyr Luz com Aldir Blanc, “um samba lindo em homenagem à Clementina de Jesus”, presente em “Olho d’Água”, o álbum de 1992.

Serviço

O quê. Turnê “Caetano & Bethânia” em BH

Quando. Neste sábado (7), às 21h

Onde. Estádio Mineirão (av. Abrahão Caram, 1.001)

Quanto. A partir de R$ 430 (meia) pelo site www.ingresse.com