Um beijo e um abraço entre Caetano Veloso e Maria Bethânia, durante a execução de "Tudo de Novo", já na penúltima música da noite, simbolizam a grande energia afetiva dedicada à MPB que é o show-encontro desses dois ícones da cultura brasileira. Quem foi ao Mineirão, na noite de sábado (7), teve a sensação de sair de um banho de descarrego, pautado por seis décadas de uma incrível contribuição para a construção de nossa identidade.
O peso e o choque que se podia esperar de uma parceria dessa magnitude foram transformados em leveza e beleza, mesmo chegando a 40 músicas definidoras de nossa essência brasileira. Os irmãos de Santo Amaro, na Bahia, pouco falam no palco, como se não quisessem interromper a comunhão emocional com a plateia.
Num estádio aberto, as palavras e gestos podem perder sentido no vazio, mas Bethânia e Caetano souberam estabelecer essa troca intensa de energia a partir de homenagens - a eles, em primeiro lugar, e a todos os outros fundadores de um movimento-estado artístico que sintetizam trajetórias ricas e transformadoras de um povo.
No que claramente ganha contornos de despedida, como também será a turnê de Gilberto Gil em breve, há uma saída de cena leve, límpida e feliz, sem senões ou qualquer coisa do tipo, resumida em "Odara", a canção do bis, quando os irmãos deixam o palco e a banda toma todos os lugares, como numa grande festa.
Mesmo quando alguma tristeza parece saltar, como no pequeno bloco em homenagem a Gal Costa, com "Baby" e "Vaca Profana" sendo emolduradas por imagens em preto e branco da artista falecida em 2022, o sentimento é de agradecimento e avivamento. "Gal Costa sempre", diz Bethânia, assim como, em "Filhos de Gandhi", Caetano saúda Gilberto Gil.
Durante duas horas, eles reverenciam Chico Buarque ("Vida"), Raul Seixas ("Gita"), Sandra de Sá e Tim Maia ("Sozinho"), além da família de Dona Canô e de grandes símbolos brasileiros, da água aos indígenas, passando por Mãe Menininha e a escola de samba Mangueira. Com uma excelente banda de apoio, formada por nomes que já acompanham a dupla há anos, Bethânia e Caetano cantaram juntos e sozinhos. Mesmo quando só um soltava a voz, o outro estava presente, sentado num canto, numa admiração muito representativa do que foi o show no Mineirão.