Um dos grandes nomes do cinema autoral norte-americano, David Lynch faleceu nesta quinta-feira (16), aos 78 anos, conforme comunicado da família nas suas redes sociais oficiais.
"É com profundo pesar que nós, sua família, anunciamos o falecimento do homem e do artista, David Lynch. Gostaríamos de um pouco de privacidade neste momento. Há um grande buraco no mundo agora que ele não está mais conosco", lê-se em um post publicado na conta do cineasta no Facebook.
A causa da morte não foi divulgada.
No ano passado, em entrevista à revista “People”, o diretor falou sobre a vida com enfisema pulmonar, doença com a qual foi diagnosticado em 2020. À época da publicação, ele, que fumava desde os 8 anos, havia parado de fumar há dois anos e precisava de oxigênio para andar. “É difícil viver com enfisema. Mal consigo andar por um cômodo. É como se você estivesse andando por aí com um saco plástico em volta da cabeça”, disse.
Apesar das limitações, o artista teve performance como ator elogiada em sua última participação em um filme, no caso, “Os Fabelmans”, de 2022, com direção de Steven Spielberg.
Como diretor, além dos diversos prêmios que acumulou ao longo da carreira, ele viu seu nome se tornar um adjetivo: “lynchiano” virou sinônimo de algo surreal, perturbador e, muitas vezes, enigmático.
Quem foi David Lynch
Curiosamente, na vida de David Lynch, antes dos filmes, houve a pintura. E foi a literatura que o trouxe ao Brasil – e a Belo Horizonte – pela primeira vez.
O multiartista nasceu em uma família de classe média em Missoula, uma cidade do Estado de Montana, e estudou artes visuais na Academia de Belas Artes da Pensilvânia, na Filadélfia. Foi lá que ele começou a mergulhar no universo do cinema, inicialmente, produzindo curta-metragens.
Seu longa de estreia, realizado após ele se mudar para Los Angeles – considerada a capital do cinema norte-americano –, foi o surrealista “Eraserhead”, de 1977, até hoje aclamado e considerado um clássico cult. A sinopse da obra, aliás, já dá alguma noção, ainda que superficial, da estranheza da trama: “Henry Spencer tenta sobreviver em seu ambiente industrial, sua namorada zangada e os gritos insuportáveis de seu filho recém-nascido mutante”.
Na sequência, Lynch emplacou outro projeto bem-sucedido, o filme “O Homem Elefante”, de 1980, pelo qual alcançou novos públicos e obteve sucesso comercial. Mais uma vez, a história escolhida pelo diretor está longe de uma abordagem convencional: a produção acompanha a saga de um homem gravemente desfigurado e maltratado enquanto tenta sobreviver como uma atração de circo, em shows de horrores. Ele é resgatado por um cirurgião vitoriano. Por trás de sua aparência monstruosa, contudo, em uma pegada à la “A Bela e A Fera”, há um homem de bondade, inteligência e sofisticação.
Com Anthony Hopkins e John Hurt no elenco, a obra foi indicada a oito estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Filme e Direção.
Ainda na década de 80, Lynch ousou ao levar para o cinema o épico de ficção científica “Duna” (1984). A produção, porém, foi recebida com frieza pela crítica e pelo público. Dois anos depois, ele voltou a ser aclamado, dessa vez pelo neo-noir “Veludo Azul”, que se desenrola a partir da descoberta de um ouvido humano em um campo, o que leva um jovem a uma investigação relacionada a uma bela cantora de clube e a um grupo de criminosos, que sequestraram o filho dela.
Os temas sombrios, tratados com fortes camadas de surrealismo, onde o onírico e o real se confundem, também aparecem nas produções que ele realizou para a televisão, caso de “Twin Peaks”, exibido nos Estados Unidos, originalmente, entre 1990 e 1991. Na série, um agente do FBI investiga a morte de uma jovem mulher. A história, porém, ganha complexidade e densidade, com personagens estranhos, muitos deles excêntricos, e um enredo cheio de mistérios, que não são necessariamente desvendados.
Outras paixões
Apesar do sucesso no cinema, David Lynch nunca abdicou totalmente de sua paixão pela pintura. Uma relação abordada no documentário “David Lynch: A Vida de um Artista”, de 2016, dirigido pelo trio Jon Nguyen, Rick Barnes (XVII) e Olivia Neergaard-Holm. A obra, no caso, se dedica quase inteiramente à infância e à carreira como pintor do artista, deixando as aspirações cinematográficas e a consagração internacional em segundo plano.
O norte-americano também se aventurou pela produção literária. Aliás, sua primeira vinda ao Brasil, em 2008, não foi para divulgar algum novo filme, mas, sim, para lançar um livro seu, o “Em águas profundas – criatividade e meditação”. O título que traz reflexões sobre um tema que, desde a década de 70, fazia parte de sua rotina de Lynch: a meditação transcendental. À época do lançamento, ele esteve em Belo Horizonte, participando de um evento na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A passagem dele por BH foi lembrada pela ensaísta e escritora Maria Esther Maciel. “Em 6 de agosto de 2008, David Lynch participou de um evento surpreendente no auditório da Reitoria da UFMG. Um dia, para mim, inesquecível”, escreveu.
Uma publicação compartilhada por Maria Esther Maciel (@mariaesthermaciel)
Além da pintura e escrita, Lynch também fez música. Em 2011, por exemplo, o artista produziu e lançou “Crazy Clown Time”, seu segundo álbum de estúdio e primeiro álbum solo, definido por ele mesmo como “blues moderno”.
Com 14 faixas, o material saiu pela gravadora David Lynch Music Company, fundada, claro, por ele mesmo.
Reconhecimento
Ao longo de sua trajetória no cinema, David Lynch acumulou diversas honrarias. A mais recente foi o Oscar Honorário pelo conjunto da obra, concedido em 2020. Quatorze anos antes, reconhecimento similar veio pelo Festival de Veneza, onde recebeu o Prêmio de Honra - Leão de Ouro.
Antes, ele já havia faturado o Globo de Ouro de 1991, na categoria Melhor Série Dramática, por “Twin Peaks”. Já no Festival de Cannes, ele recebeu a Palma de Ouro pelo neo-noir “Coração Selvagem”, em 1990, e foi laureado como Melhor Diretor por “Cidade dos Sonhos”, em 2001.