O que é uma novela? “Narrativa seriada, com fins de entretenimento, difundida pela televisão ou pelo rádio”, define o dicionário Aulete. Se este significado for aplicado também à internet, pode-se dizer que alguns influenciadores digitais têm feito seus próprios folhetins ou séries – claro, dadas às devidas proporções quanto a produção, orçamento e complexidade.

Muitas vezes gravando dentro da própria casa por meio de uma única câmera de celular fixado em um tripé, criadores de conteúdo montam roteiros e se filmam interpretando diferentes personagens, com características e personalidades distintas, para contarem uma mesma história numa sequência de vídeos postados em seus perfis no Instagram e no TikTok. Eles ainda precisam lidar com tempo limitado, uma vez que tais plataformas recomendam a publicação de vídeos de até 90 segundos e restringem o alcance de usuários quando as produções ultrapassam esse período.

Uma das influenciadoras que enveredou por este caminho é a publicitária Jéssica Diniz (@jedinizm). Com mais de cinco milhões de seguidores em suas redes sociais, ela é criadora da Ameinda of the Silva, personagem workaholic devotada ao trabalho, bajuladora de chefes, que se julga melhor que os colegas. “Ameinda é uma síntese de várias figuras que já observei, tanto no ambiente de trabalho quanto fora dele”, conta a publicitária.

O nome Ameinda, a propósito, é uma variação à pronúncia de Amanda, mas carregado de sotaque paulistano. “Ela é aquela prima ou colega que quer dizer que conseguiu tudo primeiro, que exagera nas próprias conquistas, adora falar do intercâmbio, mistura inglês com português e, de alguma forma, sempre se compara com você para dizer que está melhor. O sotaque paulistano carregado e os trejeitos caricatos deixam tudo mais divertido, mas também fazem a personagem ser muito reconhecível”, explica Jéssica.

A publicitária gravava vídeos solos de Ameinda, mas seus seguidores começaram a pedir pelos desdobramentos das atitudes tóxicas da workaholic. Então, Jéssica criou uma novelinha, que também contemplava outros personagens, como a dona da empresa, novos gestores, colegas, filho de um chefe e a própria Jéssica – todos interpretados por ela mesma.

“Decidi desenvolver uma história com uma linha narrativa bem definida, conectando os vídeos e dando continuidade aos acontecimentos, como a demissão da Ameinda. Foi aí que tudo começou a tomar forma e acabou virando uma série. As pessoas assistem, se envolvem e até ‘maratonam’ os vídeos. Recentemente, organizei todo o conteúdo em sequência no YouTube, criando compilações para que o público pudesse acompanhar a história desde o início”, relata ela, que deu nome à série de “O Escritório BR”.

Jéssica se inspirou na própria experiência profissional para criar as esquetes. “Já vivenciei situações que pareciam hilárias ou até mesmo absurdas, mas que eram comuns no ambiente de trabalho. O humor me ajuda a traduzir essas experiências, expondo acontecimentos e comportamentos de forma leve, mas reflexiva”, pontua.

Também baseada nas próprias vivências, a influenciadora Marjorie Lucindo (@mahlucindo), com quase dois milhões de seguidores em seus perfis no TikTok e Instagram, criou uma novela envolvendo uma advogada, Dra. Ivetchy, uma criança, João Pedro, e a babá dele, Ivone. 

“A personagem da Dra. Ivetchy foi inspirada em várias chefes que tive no decorrer da minha trajetória profissional na área do direito. Já história do João Pedro com a babá foi inspirada em mim mesma: já tive uma babá que era a Ivone todinha, deixava eu fazer tudo que tinha vontade. Com ela, eu podia ser eu mesma. Brincava de desfile de moda, assistia High School Musical comigo e fazia parte das histórias malucas que eu inventava”, ressalta. 

Marjorie conta que o mais interessante disso tudo é que “nada foi pensado, não existia um roteiro pronto.” “Gravava esquetes separadas para alguns deles, até que um dia tive a ideia de juntar os meus personagens mais icônicos e criar uma família”, comenta. Marjorie, uma mulher trans, conta que a história fez muito sucesso, principalmente entre o público LGBTQIAP+.

“As pessoas gostaram e me pedem mais. Estou com planos de iniciar outra série, inspirada em ‘Eu a Patroa e as Crianças’”, revela a influenciadora, destacando que, por muito tempo, tinha apenas uma “euquipe.” “Sou eu que penso no roteiro e nas ideias. Agora, para gravar e editar, tenho o João Vitor, que é meu melhor amigo e cuida disso para mim. Mas isso foi recente, antes eu fazia tudo sozinha”, relembra.


Dos pets ao relacionamento de casal

As cachorras Bica e Madalena (@madaebica), com quase 11 milhões de seguidores, apareceram nas redes sociais bem antes de seus tutores, os influenciadores Leonardo Bagarolo (@leobagarolo) e sua mulher, Evelin Camargo (@evelincamargo).

Bagarolo começou criando conteúdo “dublando” os pets – ou seja, ele dá voz às cachorras em situações cômicas. “Eu era super ‘low profile’, não tinha praticamente nada no meu perfil. Mas depois de um tempo senti necessidade de fazer um conteúdo meu, autêntico, com a minha cara, que eu fosse eu mesmo. Então, comecei o meu conteúdo falando sobre cinema no meu perfil”, diz.


Mas como Bagarolo sempre gostou de imitar os trejeitos da mulher, percebeu que poderia ser uma boa também produzir conteúdos sobre o relacionamento deles. Evelin, por sua vez, passou a surgir na frente das câmeras. Daí, os dois começaram a criar conteúdos sobre o dia a dia deles, mas com uma diferença: Bagarolo no papel de Evelin, e Evelin no papel de Bagarolo.

À medida que os vídeos ganharam viralizavam, o casal teve a ideia de fazer uma série, a “Trocados”, dividida em cinco capítulos. A trama mostra um casal em crise, que, para tentar solucionar o conflito, topa fazer parte de um experimento de troca de corpos. Assim, eles começam a interpretar um ao outro, e isso acabou virando marca do casal nas redes sociais. “Nós não buscamos sair do conteúdo que já criávamos nas nossas redes. Temos vontade de continuar a produzir conteúdos assim, que se pareça mais com o cinema e com a TV”, espera ele.

Hoje, os dois se dividem entre criar conteúdos para o perfil das cachorras, deles próprios e de publicidade. “Para nos organizarmos, utilizamos uma agenda que também contempla a produção de conteúdos orgânicos, os quais planejamos de acordo com nosso cronograma de execução. Alguns conteúdos, no entanto, surgem de maneira totalmente espontânea. Por outro lado, há conteúdos que exigem mais planejamento. Somos multicanais, ou seja, estamos presentes em diversas plataformas. Sabemos que certos conteúdos funcionam melhor em perfis ou plataformas específicas, então buscamos nos organizar para que cada perfil tenha, pelo menos, um fluxo constante de publicações”, conta Evelin.