O trombonista da orquestra não desperdiça a oportunidade de estar lado a lado com os criadores do Clube da Esquina, apresentando, além do instrumento, uma coleção de LPs do movimento mineiro para Toninho Horta, Lô Borges, Beto Guedes e Flávio Venturini autografarem. Em outro momento, Toninho e Seu Jorge conversam longamente na coxia, num encontro raro de gerações. Essas cenas não foram vistas pelos espectadores que lotaram os três dias do espetáculo "As Cores do Clube da Esquina", que ganhou o palco do Palácio das Artes em junho de 2024.
Quando o produtor Robertinho Brant (sobrinho de Fernando Brant, um dos idealizadores do Clube) convidou os diretores Luiz Pretti e Pedro de Filippis para coordenarem as filmagens do show, o desejo de todos os envolvidos era de que o resultado fosse muito além de um simples registro audiovisual, sendo pensado para ser um documentário com vigor artístico. Sete meses depois, o projeto está paralisado, devido à falta de pagamento da equipe, com o sério risco de que momentos únicos de backstage jamais sejam compartilhados com os fãs do Clube da Esquina.
"A gente está com o HDs (discos rígidos onde as imagens estão armazenadas) . Pelo menos isso a gente teve a esperteza de fazer. Se ele não pagar, não iremos entregá-los. (Robertinho) Terá gasto uma grana para fazer esse registro do concerto dele para nada. A gente filmou em junho e o acordado seria que ele nos pagasse, no máximo, um mês depois", lamenta Pretti, realizador cearense radicado em Belo Horizonte, nome por trás de filmes como "Enquanto Estamos Aqui", ao lado de Clarissa Campolina, outro nome que integrou a equipe audiovisual do show.
Na equipe de produção do futuro DVD, havia sete câmeras para "abarcar o máximo de coisas possíveis, não só no palco, mas também nos camarins ou nas coxias", segundo Pretti. "No momento do show, as câmeras ficaram espalhadas, buscando captar a maior pluralidade de situações. A ideia seria fazer um paralelo entre as músicas e esses momentos de backstage. As câmeras tinham formatos diferentes, para termos vários tipos de texturas. Inspirados num vídeo do Arctic Monkeys, tivemos a ideia de levar uma 'go pro' e colocá-la junto a um percussionista", adianta.
"O material está bonito e tem grandes chances de ser bem-sucedido. Querendo ou não, é o Clube da Esquina revisitado por artistas da nova geração, junto com o pessoal que criou o movimento. Muita gente se interessaria em ver isso. É uma pena não poder estar trabalhando para isso já sair para o mundo. Um negócio tão importante como esse é tratado com descaso", lamenta.
O material bruto de "As Cores do Clube da Esquina" totaliza cerca de 60 horas e ainda não foi montado. A princípio, seria o próprio Pretti que iniciaria a edição. "Agora, não sei. Dá uma certa desanimada. (Para eu pegar) Teria que ter o dinheiro já captado para esse trabalho de finalização, pagar a gente primeiro para depois fazermos. Mesmo assim eu não sei se consigo", confessa.
Parte da equipe já recebeu, após certa demora, mas os diretores não. Eles aguardam receber R$ 9.670,00, cada um - o valor total era de R$ 11 mil, mas houve um depósito em dezembro, de acordo com Pretti. "Em julho, começou a enrolação. A cada mês era uma desculpa nova. E ele tinha dito que, com o borderô, conseguiria pagar, se fosse o caso, o que não aconteceu também. Foram três dias de casa lotada. Não sei o que ele fez com esse dinheiro. Quando chegou em outubro fizemos um novo contrato com ele para ver se isso o forçava a pagar. Nesse contrato colocamos o prazo de pagamento no final de novembro. E mesmo assim não funcionou".
Outro lado. Robertinho Brant conta que foi estimulado a produzir o concerto logo após lançar o CD "O Vendedor de Sonhos" em 2019, pela presidente da Fundação Clóvis Salgado, Eliane Parreiras (hoje à frente da Secretaria Municipal de Cultura). "Ela disse que eu era o único cara que poderia fazer uma homenagem aos 50 anos do Clube da Esquina à altura deles", lembra.
Eliane teria, então, oferecido a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e o Grande Teatro do Palácio das Artes. "Ela pensou em colocar todo mundo do Clube junto, um espetáculo que nunca tinha acontecido antes. Como eu fiz o disco com várias participações, eles me viram com essa condição artística e por ser da família também", explica.
O desejo inicial era ter Milton Nascimento ("o Bob Marley do Clube", segundo Brant) entre os convidados, mas Bituca estava com a saúde fragilizada. "Vi que teria que inventar algo diferente, juntando os nomes principais do Clube com Seu Jorge, para fazer às vezes de Milton, além de outros convidados".
Robertinho seria, segundo ele, apenas o diretor artístico e arranjador do concerto, com a Fundação se responsabilizando pelas captações, por meio de uma ONG. Em 2021, Eliane teria conseguido um patrocinador, a Anglo Gold, no valor de R$ 400 mil, para dois dias de evento, através da Lei Rouanet - ela permitia um teto extra de R$ 200 mil, mas que, devido às novas determinações do secretário especial de Cultura, Mário Frias, não pôde ser utilizado. "Era (um valor) baixo, mas era o que tínhamos na mão na época e foi com ele que demos o start ", lembra.
"Queria um espetáculo que estivesse à altura do Clube da Esquina e que, depois, tivesse condições de levá-lo para fora do Brasil. Seria um teste para vermos se o pessoal teria a performance que esperávamos", afirma. Os problemas começaram a aparecer quando o dinheiro da Rouanet ficou travado no Ministério da Cultura, demorando um ano para liberar o recurso. "Com isso, não conseguimos fazer o concerto em 2022, no ano do cinquentenário".
Apesar da demora e do dinheiro curto para uma produção orçada em R$ 1,5 milhão, Brant seguiu em frente. "Estávamos numa situação em que já tinha dado start, com a verba já tendo sido depositada na conta do proponente... Eu não tinha como voltar atrás. O que eu poderia fazer era chamar uma cantora que está iniciando, mas não iria fazer algo leviano. O Clube da Esquina é minha missão de vida".
Com a reeleição de Romeu Zema para governador, Eliane saiu da Fundação. Ela, de acordo com Robertinho, era uma indicação de seu tio Paulo Brant, vice-governador no primeiro mandato. Ainda assim, resolveu insistir. "Paulo e Zema tiveram um problema entre eles e a Eliane saiu, me deixando sem pai nem mãe. Liguei para o secretário (estadual) de Cultura, Leônidas Oliveira, dizendo que todo mundo ama o Clube e que não poderíamos deixar de fazer uma homenagem".
Após uma reunião por chamada de vídeo com Oliveira, recebeu a promessa de que receberia apoio. Ele veio com a aprovação do projeto na lei estadual de incentivo à cultura, podendo captar R$ 350 mil, que viria da Cemig. "Ficamos entusiasmados e marcamos a data", recorda. A estes R$ 750 mil se somaria o dinheiro arrecadado na bilheteria, em três dias, que teve uma renda líquida de R$ 570 mil. Assim, o déficit do show ficou em torno de R$ 300 mil.
"Sou um homem de estúdio, faço poucos shows. Só então fui conhecer esse problema dos produtores de show em relação à meia-entrada. Como o público do Clube é mais maduro, a maior parte dos ingressos vendidos não foi de inteira", conta. Outro problema é que, inicialmente, o cachê dos artistas seria referente ao segundo e terceiro dias. O primeiro, na forma de ensaio, não teria. Mas como houve venda desses ingressos, alguns deles pleitearam o valor. Brant também perdeu a parceria com a Orquestra Sinfônica, tendo que contratar uma especificamente para o show.
Audiovisual. Paralelamente ao concerto, Brant estava desenvolvendo o projeto de um documentário sobre a história do Clube da Esquina, a partir de um olhar pessoal. O primeiro contato com Luiz Pretti e Pedro de Filippis se deu aí. Como as músicas do concerto fariam parte da futura trilha do filme, uma coisa se ligou a outra. "Não poderia deixar de filmar o concerto, em que eu tentaria que os artistas alcançassem a melhor performance dos últimos 30 anos".
Para esse registro, Robertinho Brant foi buscar recursos em leis específicas. Mas não conseguiu. "E eu pensei comigo: 'Nossa, em que estou entrando'. Mas como estou fazendo por amor, vai ficar lindo, mesmo correndo todos os riscos artísticos que existem num desafio como esse", destaca. A solução foi pedir a Pedro para que a equipe fizesse um mutirão para que a oportunidade não fosse perdida - "com o mínimo de custo, pois teria que pagar do meu bolso". Por conta dessa limitação, Pretti, segundo ele, teria recrutado um grupo que não era propriamente de operadores de câmeras, mas diretores de cinema.
"Eles me convenceram a fazer locação de todas as câmeras pois teriam que ser de alto nível. Paguei os custos iniciais da vinda da produtora Auína Landi) e eles fizeram para mim a captação (do show), que era uma forma de eu assegurar um material de alto nível, para um dia virar um DVD. Quando o Pretti me disse que iria ajudar a fazer a captação, eu não recusei, porque iríamos nos arrepender amargamente. E, realmente, o show gerou uma comoção absurda".
Por todos esses percalços, Robertinho se define como "um sobrevivente". Diz que teve que abrir mão de um estúdio, montado há dez anos, e vendeu um automóvel e equipamentos. "Eu só fui apagando incêndio. Agora só está faltando pagar o Luiz e o Pedro porque, lá atrás, eles mesmo falaram que poderiam receber depois, por sermos parceiros. Só que demorou mais do que eles acharam que iria demorar", justifica. Ele promete que irá pagar a dupla até fevereiro, com recursos que irá receber de um outro projeto (o álbum "O Vendedor de Sonhos 2").
Apesar de todas as dificuldades para pagamento dos envolvidos, Brant não desistiu de dar continuidade ao projeto. Serão lançados dois álbuns duplos com músicas dos dois discos "Clube da Esquina". O primeiro tem previsão de lançamento para este ano. "É um disco que eu quero que chegue no Grammy. Estamos num momento muito importante do Brasil, a partir do filme 'Ainda Estou Aqui', para mostrarmos a cultura forte que temos", sublinha. E também investirá na finalização do DVD.