A votação final do Oscar terminou nesta terça-feira (18), mas muitos já dizem que esta seria a campanha ao prêmio da Academia que mais acumula escândalos. Desde a descoberta de postagens preconceituosas de Karla Sofía Gascón, de "Emilia Pérez", os possíveis resultados da premiação sofreram reviravoltas, cujos resultados finais o público saberá na cerimônia, em 2 de março.
Mas esta não é a primeira campanha ao Oscar controversa. Outras trajetórias à premiação foram turbulentas, inspirando disputas acirradas nas últimas décadas, ou debates raciais que forçaram a Academia a rever os rumos do prêmio. Relembre algumas destas a seguir.
ORSON WELLES E 'CIDADÃO KANE'
Uma das primeiras grandes polêmicas dos bastidores do Oscar envolveu justamente um dos filmes mais alardeados como o melhor de todos os tempos. Na época em que o longa-metragem foi lançado, em 1941, o diretor Orson Welles surfava a crista da onda - a produção aconteceu por um contrato de US$ 1 milhão da RKO Pictures, que deu carta branca ao cineasta após o sucesso de sua transmissão de rádio de "A Guerra dos Mundos".
A liberdade oferecida a Welles ligou sinal de alerta em Hollywood, em especial porque o filme fazia um retrato crítico de William Randolph Hearst, um magnata da indústria e da mídia. A represália a "Cidadão Kane" foi intensa nos jornais de Hearst, em um ataque liderado por Hedda Hopper, que assinava uma coluna social e de fofocas no Los Angeles Times.
Hopper demonizou o filme e Welles nos jornais, enquanto Hearst ameaçou uma série de boicotes à RKO. A ofensiva foi tamanha que "Cidadão Kane" estreou em circuito reduzido nos Estados Unidos. No Oscar, o filme acabou indicado em nove categorias, incluindo em melhor filme, mas terminou vencedor apenas do prêmio de roteiro original, para Herman J. Mankiewicz.
O vencedor do Oscar naquele ano foi "Como Era Verde o Meu Vale", do celebrado John Ford.
CHILL WILLS E 'O ALÁMO'
Grande sucesso no lançamento, o faroeste "O Álamo" rendeu na Academia uma das implosões de carreira mais notórias da indústria com o ator Chill Wills. Indicado na categoria de melhor ator coadjuvante na edição de 1961, o artista mudou as regras do Oscar depois de protagonizar uma série de vexames em sua campanha pelo prêmio, ao lado de seu agente W.S. Wojciechowicz.
Tudo porque apareceu nos jornais americanos um anúncio que destacava a atuação de Wills no filme com uma frase que foi tirada do contexto. A jornalista responsável pelo comentário refutou a publicidade poucos dias depois, escrevendo até mesmo que o ator tinha perdido o seu voto após o caso.
O ator tentou consertar a situação com um segundo anúncio, que dizia "Ganhe ou perca, saibam que sempre serão meus irmãos". Em resposta, o comediante Groucho Max publicou nos jornais: "Obrigado, senhor Wills, me sinto lisonjeado por me considerar seu irmão. Mas eu votei em Sal Mineo".
Wills ainda lançou uma terceira peça publicitária, destacando o elenco de "O Álamo" e a frase "Todos rezamos para que triunfe Chill Wills", mas o próprio John Wayne, diretor e protagonista do filme, desonrou o material. "Tenho palavras mais duras para dizer, mas as calo. Tenho certeza de que as intenções do senhor Wills não eram tão más quanto o seu gosto", escreveu o ator.
O ator perdeu o Oscar naquela edição para Peter Ustinov e "Spartacus", de Stanley Kubrick, e depois nunca mais voltou à premiação.
'SHAKESPEARE APAIXONADO'
O romance de 1998, dirigido por John Madden e estrelado por Gwyneth Paltrow, foi criticado após um de seus produtores, Harvey Weinstein, falar mal de "O Resgate do Soldado Ryan", de Steven Spielberg, concorrente daquela mesma edição.
Weinstein teria dito que este não merecia ganhar melhor filme já que todo seu poder dependia da sequência inicial, que dura cerca de 15 minutos e mostra o desembarque de soldados da Segunda Guerra Mundial na Normandia.
O produtor garantiu o sucesso de "Shakespeare Apaixonado", que saiu com sete estatuetas da premiação. A polêmica não acabou por aí; durante a cerimônia, muitos espectadores ficaram indignados após Fernanda Montenegro, que estrelou "Central do Brasil", perder o título de melhor atriz para Gwyneth Paltrow.
'GANGUES DE NOVA YORK'
O filme de 2002 de Martin Scorsese conta a história de membros de uma gangue violenta da Nova York do século 19. Novamente, Harvey Weinstein foi o motivo da polêmica.
O produtor mandou um cartão "for your consideration" - uma espécie de publicidade enviada aos membros da Academia para convencê-los a votar em determinado filme - em que atribuiu incorretamente um elogio ao longa de Scorsese.
No cartão, ele atribui uma fala a Robert Wise, diretor de "Amor, Sublime Amor" e "A Noviça Rebelde", mas a citação, na verdade, era de um publicitário da produtora, a Miramax. O deslize pegou mal e, apesar das dez indicações, "Gangues de Nova York" não levou nenhuma estatueta para casa.
ENTREVISTAS BIZARRAS DE LADY GAGA
Durante sua primeira campanha ao Oscar, Lady Gaga competia como melhor atriz pelo filme "Nasce Uma Estrela", de 2019. Seu percurso viralizou nas redes sociais após ela repetir em várias entrevistas a mesma frase: "Pode haver cem pessoas em uma sala e 99 não acreditam em você, mas você só se precisa de uma."
Apesar de não ganhar melhor atriz, Lady Gaga levou para casa a estatueta de melhor música, por sua performance da canção "Shallow", escrita com Anthony Rossomando.
Dois anos depois, ela voltou ao circuito com "Casa Gucci", onde interpreta Patrizia Reggiani, esposa do fundador da marca de luxo.
Em entrevistas, ela disse que viveu como Reggiani por um ano e meio e falou com seu sotaque por nove meses. Ela também afirmou que se comunicava com a socialite italiana, e que ela havia enviado um enxame de moscas para perseguí-la durante filmagens - apesar de Reggiani ainda estar viva.
A campanha também viralizou nas redes, mas, ao final, Lady Gaga não foi indicada por sua interpretação.
#OSCARTÃOBRANCO
Em 2015, a comunicadora April Reign criticou a Academia após todos os 20 atores indicados serem brancos. Ela postou no X com a hashtag #OscarsSoWhite, mas esta ganhou força somente no próximo ano.
As indicações de 2016 refletiram a mesma falta de diversidade e o movimento se tornou viral. A Academia - composta 92% por pessoas brancas - virou alvo de críticas por e sua história de racismo ressurgiu.
Estrelas como Spike Lee, Jada Pinkett Smith, Lupita Nyong'o e até o ex-presidente americano Barack Obama se manifestaram.
Como consequência, a Academia mudou seu programa de associação e outros aspectos do processo de votação, o que tornaria a premiação mais inclusiva.
ANDREA RISEBOROUGH E 'A SORTE GRANDE'
Há dois anos, o Oscar se viu forçado a rever as suas regras de publicidade para os indicados com o filme "A Sorte Grande". O filme de Michael Morris apareceu de surpresa na categoria de melhor atriz, graças a uma campanha extensa da artista Andrea Riseborough.
Enquanto o longa teve distribuição e promoção minúscula da independente Momentum Pictures, com resultados ínfimos de público nos Estados Unidos, Riseborough e a agência CAA, que a representava, moveram uma campanha independente nas redes sociais, destacando incessantemente o trabalho da atriz para os votantes.
Além de organizarem sessões privadas e anúncios em veículos como as revistas Variety e The Hollywood Reporter, Riseborough também coordenou uma ação em que atores prestigiados a elogiavam em seus perfis digitais durante o período de votação do prêmio. Segundo a cobertura da época, o agente de Riseborough teria assediado esses indivíduos para garantir o apoio à atriz.
Assim, artistas como Cate Blanchett, Edward Norton, Jennifer Aniston, Courteney Cox, Demi Moore, Mia Farrow e Charlize Theron publicaram mensagens de apoio à atriz em suas contas, e Kate Winslet e Amy Adams moderaram debates com Riseborough durante a reta final de escolha dos indicados.
A situação virou piada nas redes sociais, em especial depois de Gwyneth Paltrow publicar em seu Instagram uma foto com a atriz, Morris e Cox, destacando que Riseborough deveria "ganhar todo prêmio que existe e todos aqueles que ainda não foram inventados".
Riseborough conseguiu a indicação ao Oscar, a primeira da carreira, mas despertou incômodos na indústria. Até porque a categoria acabou composta apenas por atrizes de etnia branca naquela edição, deixando de fora artistas negras como Viola Davis e Danielle Deadwyler.
No fim, a campanha de "A Sorte Grande" perdeu o Oscar para Michelle Yeoh e "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", grande vencedor do ano, e a Academia alterou as regras. Em vista do caso, o Oscar apertou o regulamento em temas como sessões privadas, comunicação direta com membros da organização e o uso de redes sociais para autopromoção.
'EMILIA PÉREZ'
A premissa do longa de Jacques Audiard é ambiciosa: um musical que conta a história de um chefe do narcotráfico, no México, que recruta a ajuda de uma advogada para se transformar em mulher e recomeçar sua vida.
Apesar de sua vitória no Festival de Cannes, "Emilia Pérez" foi alvo de críticas quando saiu para o público geral. Sua representação estereotipada do México, a banalização ao retratar a identidade trans, o uso de inteligência artificial em músicas e o sotaque em espanhol de Selena Gomez foram alguns dos tópicos mais comentados.
Apesar disso, o longa foi indicado a 13 categorias no Oscar - Karla Sofía Gascón, que vive a personagem-título, foi a primeira pessoa trans indicada a melhor atriz.
Mas o clima rapidamente esfriou após a descoberta de postagens antigas de Gascón no X (ex-Twitter). A atriz repercute falas preconceituosas e racistas, critica imigrantes e chama sua colega de elenco, Gomez, de "rata rica".
Após ser "cancelada" nas redes sociais, Gascón pediu desculpas na defensiva, ofendendo ainda mais espectadores.
Como consequência a Netflix, que divulga o filme nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, removeu-a de material publicitário para o Oscar. Gascón também parou de se manifestar sobre o assunto e não frequenta mais eventos da campanha.