Com olhos esbugalhados, cabelos desgrenhados e unhas enormes, a menina vive trancafiada em um quarto sem espelho, e acaba acreditando no que os outros dizem sobre ela. “E ela não era nada daquilo, fisicamente ela era uma menina normal, até bonita, só que não se via assim”, esclarece Luciana Aquino Capello Coelho, autora de “A Lenda da Menina Má”, que será exposta na seção dedicada aos independentes da Bienal Mineira do Livro deste ano, em maio. 

A obra, classificada como infantojuvenil, aborda justamente os perigos do bullying, que, em março, tem seu mês de combate e conscientização. Em janeiro de 2024, o presidente Lula sancionou a lei que torna a prática um crime previsto no Código Penal, inclusive em sua modalidade virtual.

Em seu livro, Luciana destaca o “poder da palavra”, tanto para o bem quanto para o mal. “Às vezes uma palavra destrói a vida de uma pessoa, e imagina o peso que isso pode ter para uma criança?”, sublinha. Sua personagem principal, Séfora, cresce entre dois reinos que se digladiam, algo comum ao longo da história e que diante da polarização da sociedade tem se tornado cada vez mais premente. 

Transformação

A influência nefasta que a rodeia acaba por levar a menina a assumir a fachada da maldade. “Desde criança somos influenciados pelos apontamentos e julgamentos. Se você tem o cabelo crespo, se você é gordinha, se tem o dente torto. Por que isso incomoda tantas pessoas? E porque, muitas vezes, somos julgados pelo que não somos?”, questiona Luciana. 

Quando os pensamentos sombrios começam a tomar conta de Séfora, ela veste a capa da “menina má” e se transforma numa escritora, distribuindo cartas nas portas dos reinos para assombrar seus habitantes “como uma forma de se vingar”. No entanto, ao adentrar à biblioteca, uma transformação se procede no interior da menina, e ela passa a entender com mais clareza a exterioridade que a oprime. “Ela percebe que muitas das coisas que disseram sobre ela eram inverdades, e que existia ali uma menina boa, uma boa escritora, e, sobretudo, uma leitora”, afiança Luciana. 

“Descobrindo através dos livros” um mundo que não contaram para ela, Séfora alcança uma espécie de redenção que a escritora experimentou na vida real. “A leitura te leva para lugares inimagináveis, te apresenta novos mundos sem sair do lugar, é esse o propósito do livro”, afirma Luciana, que, há cerca de dois anos, foi diagnosticada com um câncer de endométrio. 

Cura

Atualmente curada, a artista conta que “mesmo passando por um momento de intempérie” reuniu forças para seguir em frente. Com ilustrações em aquarela da pernambucana Renata Saturno, “A Lenda da Menina Má” aposta no conto fantástico, um dos gêneros preferidos de Luciana. 

Em 2013, ela lançou “A Rainha Zu e seu Reino Atrapalhado”, e, para o segundo semestre de 2025, prepara um livro sobre a misoginia. “Quero mostrar esse ódio que existe às mulheres, o feminicídio, e, ao mesmo tempo, nossa força e nossa fragilidade”, entrega. O tema, segundo ela, é urgente, e os números alarmantes de assassinatos de mulheres no Brasil comprovam a tese. A arma de Luciana segue sendo a palavra, com a qual ela é capaz de reanimar o coração de uma menina oprimida pelas sombras. 

Serviço

O quê. Livro “A Lenda da Menina Má”, de Luciana Aquino Capello Coelho

Onde. No site da Amazon ou diretamente com a autora pelo Instagram @escritora_lucianaaquino

Editora. Arte Impressa

Quanto. A partir de R$50