Filho de mãe norte-americana e pai brasileiro, David Charles Rodrigues nasceu nos Estados Unidos, mas foi em Belo Horizonte que encontrou terreno fértil para seu desenvolvimento criativo. “Vivi na cidade dos 8 aos 21 anos. Fiz quadrinhos, virei redator publicitário e, o mais importante, ia ao cinema quase todos os dias”, recorda.

A temporada na capital mineira, quase a contragosto, só foi interrompida devido ao sucesso de Rodrigues no mercado da propaganda. Movido pelos compromissos que assumia, mudou-se para São Paulo e, depois, retornou aos Estados Unidos. “Foi lá, quando estava mais seguro, com uma carreira estabelecida, que me voltei outra vez ao cinema, dessa vez como realizador”, recorda ele, que vem incursionando, desde 2019, por documentários que tratam de diferentes temas e personalidades. Em comum, esses trabalhos têm o prestígio alcançado desde suas estreias e o fato de seguirem inéditos em BH. Até agora.

Neste sábado (29), o mesmo Cine Humberto Mauro fundamental à cinefilia de Rodrigues recebe um recorte da obra do diretor estadunidense-brasileiro, que participa das exibições e de um encontro com o público após as sessões. 

“Até em Catmandu (capital do Nepal) meus filmes já passaram. No Brasil, foram apresentados na Mostra de São Paulo. Mas, na minha terra, onde me formei criativamente, ainda não tinham chegado. É aí que a gente vê que santo de casa não faz milagre mesmo”, brinca Rodrigues, que, ao falar sobre seus projetos, crava ser uma constante em sua carreira não ter uma constante.

“Cada projeto é completamente diferente um do outro”, aponta o diretor da série original da Netflix “Neymar: O Caos Perfeito”, que, com produção executiva de outra lenda do esporte, LeBron James, mergulha no dia a dia do jogador de futebol brasileiro.

Mostra apresenta primeiro e último filme do diretor

Prova dessa verve camaleônica da produção de David Charles Rodrigues, a mostra apresentada em BH apresenta dois títulos do diretor que tratam de temáticas um tanto distantes do universo das estrelas esportivas. Um deles, “Gay Chorus Deep South”, marcou a estreia de Rodrigues atrás das câmeras. Na produção, ele acompanha o San Francisco Gay Men's Chorus, primeiro coral gospel abertamente gay do mundo, durante uma série de apresentações em cidades do Sul dos EUA.

“Depois da primeira vitória de (Donald) Trump, em 2016, fiquei muito reflexivo, pensando sobre aquela divisão que eu percebia naquela sociedade e imaginando formas de derrubá-la. Então, vi a notícia sobre esse grupo de São Francisco, que eu conhecia por ter morado lá. A novidade é que eles fariam uma turnê em cidades com as leis mais discriminatórias do país. Para mim, era o teste definitivo sobre o quão rachada a população estava, além de ser um experimento que poderia mostrar meios de unir as pessoas novamente”, explica.

“Gay Chorus Deep South” foi premiado como Melhor Documentário pelo voto do público no Festival de Tribeca, em 2019, quando estreou. Além disso, o filme foi selecionado pelo Rotten Tomatoes como um dos 20 melhores filmes LGBTQ de todos os tempos e, agora, faz parte da coleção permanente do Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Diretor acompanhou últimos momentos de artista fundamental da contracultura

A segunda produção apresentada na mostra é “S/He is still her/e”, o mais recente projeto de Rodrigues. Lançado em 2024, o filme acompanha os últimos dias de vida da artista, musicista e provocadora cultural Genesis P-Orridge, que faleceu em 2020, aos 70 anos. “Eu costumo dizer que ela foi o Forrest Gump da contracultura. Foi a criadora da música instrumental, quebrou barreira atrás de barreira, como música, sexualidade e gênero. Ela foi uma pessoa que não mediu esforços em prol de suas criações, uma pessoa que viveu e morreu em prol da criatividade”, descreve.

“Quando descobri que ela estava morrendo, ao ler uma reportagem linda do New York Times que contava que Genesis teria pouco tempo de vida (em razão do prognóstico de uma leucemia mielomonocítica crônica), entrei em contato e a gente fez um acordo espiritual para capturar, não só quem ela foi, mas o seu conhecimento adquirido ao longo da vida, pondo a cara a tapa”, detalha, fazendo menção a uma publicação que ressalta, sobretudo, como a uma radical transgressão corporal é um tema abrangente da prolífica vida criativa da artista.

“S/He is still her/e” é o projeto mais autoral da lavra de Rodrigues. “Tanto que eu mesmo financiei, porque não queria intervenções, prezando pelo máximo respeito a Genesis e à proposta do filme”, explica, acrescentando que tanto esmero e cuidado valeram a pena: com passagem em mais de 80 festivais, o longa documental chegou a lotar oito sessões durante uma das exibições – inicialmente, era prevista apenas uma sessão. “Está acontecendo um ressurgimento dessa figura, que, ao ser redescoberta, ganha novos admiradores, novos devotos”, garante.

SERVIÇO:
O quê. Mostra David Charles Rodrigues
Quando. Neste sábado (29), a partir das 15h
Onde. Cine Humberto Mauro - Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, centro)
Quanto. Gratuito. Ingressos disponíveis 30 minutos antes das sessões.

PROGRAMAÇÃO:

  • 15h - Gay Chorus Deep South (David Charles Rodrigues, EUA, 2019) | 14 anos | 1h40 | Sessão apresentada pelo diretor David Charles Rodrigues
  • 17h - S/He Is Still Her/e – O Documentário Oficial de Genesis P-Orridge (S/He Is Still Her/e – The Official Genesis P-Orridge Documentary, EUA, 2024) | 16 anos | Sessão apresentada pelo diretor David Charles Rodrigues
  • 18h40-19h40 - Encontro com o diretor David Charles Rodrigues