Quando participou da primeira edição do Festival Literário Internacional de Paracatu, o Fliparacatu, a escritora belo-horizontina Conceição Evaristo admitiu, em conversa com a reportagem de O TEMPO, se identificar mais com as obras de autores negros de diferentes nacionalidades do que com títulos da lavra de seus conterrâneos brancos.

“Hoje, até devido à pesquisa que eu realizo, eu tenho me concentrado nessa autoria afrodiaspórica”, reconheceu, inteirando que, guiada por esse olhar, planejava um novo projeto: uma antologia crítica da autoria negra contemporânea, que, obviamente, ultrapassa fronteiras geográficas.

Da perspectiva das artes visuais, missão semelhante é encampada agora pela mostra “Ancestral: Afro-Américas”, que chega à unidade do Centro Cultural Banco do Brasil na capital mineira (CCBB BH) neste sábado (8), reunindo mais de 130 obras de artistas afrodescendentes do Brasil e dos Estados Unidos.

“Nós nos deixamos guiar pelos grupos e comunidades da diáspora africana que reimaginaram o conceito de servidão nessas nações coloniais para as quais foram trazidas, contribuindo de maneira significativa para a construção da identidade nacional desses lugares”, explica, no material de divulgação da exposição, Ana Beatriz Almeida, que assina com Renato Araújo da Silva a curadoria de “Ancestral”. 

“A partir da ideia de seres humanos que reinventam sua existência em um ambiente hostil, selecionamos artistas que evocam essa invenção, essa transformação, e esse processo de 'tornar-se' como uma poderosa ferramenta, poética e estética”, completa.

Abrindo a temporada, Virgínia Rodrigues e Sérgio Pererê apresentam uma performance no pátio do equipamento em dois momentos, às 11h e às 17h30. Após o rito, às 18h30, a dupla de curadores e o diretor artístico, Marcello Dantas, recebem o público no Teatro II para uma conversa sobre a exposição.

Eixos

Em cartaz até o dia 12 de maio, a mostra “Ancestral: Afro-Américas”, que antes de chegar a Minas cumpriu bem-sucedida temporada em São Paulo, é apresentada em três eixos principais: corpo, sonho e espaço.

No primeiro núcleo, o conjunto de obras explora os limites da representação e inclui trabalhos de figuras como Benny Andrews, Carlos Martiel e Dalton Paula. A segunda seção examina propostas de construção de mundo e criação de lugares por meio das múltiplas habilidades dos artistas apresentados, entre os quais Leonardo Drew, conhecido por suas instalações escultóricas que parecem explodir das paredes, Sonia Gomes, que usa materiais reaproveitados e técnicas de torços para explorar as relações entre memória e lugar, e Caroline Kent, que investe no abstrato para pensar a fluidez das identidades.

Por fim, o último eixo, em diálogo com o onírico, expande os limites da abstração por meio de obras assinadas por nomes como Betye Saar, que combina elementos de colagem e montagem para abordar identidade e herança, Simone Leigh, que investiga continuamente a subjetividade negra, e Sam Gilliam, cujas telas drapeadas redefinem os limites da pintura.

Novidade

Em BH, “Ancestral: Afro-Américas” ganha um núcleo adicional: a seção Arte Africana Tradicional, que, sob a curadoria de Renato Araújo da Silva, celebra as conexões entre a herança artística-cultural histórica de África e a arte contemporânea feita no Brasil e nas Américas.

A exposição inclui ainda trabalhos inéditos das brasileiras Gabriella Marinho e Gê Viana e da norte-americana Simone Leigh, primeira mulher afro-americana a representar os Estados Unidos na Bienal de Veneza, que apresenta uma obra nova de sua coleção pessoal. Já o norte-americano Nari Ward exibe um trabalho criado em solo brasileiro exclusivamente para a mostra.

Além dos nomes já mencionados, “Ancestral” tem uma série de outros artistas de relevo, entre os quais o ativista, artista e intelectual Abdias Nascimento (1914-2011), um dos principais nomes do movimento negro no Brasil, a norte-americana Kara Walker, vencedora do prestigiado Prêmio MacArthur, a paulista Rosana Paulino, vencedora do Prêmio PIPA 2024, o “artista-andarilho” mineiro Paulo Nazareth e o incontornável sergipano Arthur Bispo do Rosário, com seus mantos, bordados e réplicas de objetos deixados para o além-apocalipse.

SERVIÇO:
O quê. Mostra ‘Ancestral: Afro-Américas’
Quando. A partir deste sábado (8). Até 12/5. Visitação de quarta a segunda, das 10h às 22h
Onde. CCBB BH (praça da Liberdade, 450, Funcionários)
Quanto. Gratuito. Ingressos disponíveis nas bilheterias físicas do centro cultural e no site ccbb.com.br/bh