O sucesso controverso Fortune Tiger, conhecido como “jogo do tigrinho”, pode ser um dos motivos para que o público gamer tenha crescido no Brasil. É essa a conclusão da edição de 2025 da Pesquisa Game Brasil, levantamento anual feito pelo SX Group e Go Gamers no país. Segundo o estudo, o número de pessoas que consomem jogos digitais cresceu 8,9% em relação ao ano passado. Mas será que essa associação entre os jogos de azar e os jogos digitais deve ser mesmo feita? Um jogo de azar pode ser considerado um game?

De acordo com Raquel Gontijo, diretora de Relações Governamentais e Institucionais da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games), em termos mercadológicos, não. “Embora os jogos de azar façam uso de plataformas digitais e compartilhem o termo ‘jogo’, eles pertencem a um mercado distinto dos videogames. A definição de um game vai além do simples ato de jogar; envolve elementos como mecânicas interativas, desafio, tomada de decisão significativa e, muitas vezes, narrativa e progressão. Os jogos de azar, por outro lado, são baseados predominantemente em sorte, com pouca ou nenhuma interação significativa do jogador além da aposta em si”, explica. 

Responsável pelo desenvolvimento da pesquisa e CEO da SX Group, Guilherme Camargo reforça o coro, pontuando que é importante distinguir o que ele chama de jogos de sorte dos jogos digitais voltados ao entretenimento. “Os jogos de aposta existem essencialmente para que o jogador invista dinheiro na expectativa de obter um retorno maior, ainda que com um viés de entretenimento. Já os jogos digitais transcendem as simples transações financeiras, oferecendo uma experiência mais ampla e imersiva, que envolve construção narrativa, desenvolvimento de personagens e diversas mecânicas interativas. Embora as microtransações façam parte desse universo, as motivações para jogar um game digital e para apostar em jogos de sorte são fundamentalmente diferentes”, afirma.

As razões para o consumo dos jogos de azar - ou jogos de sorte, como a pesquisa nomeia - também foram mapeadas pelo levantamento. E, embora 29% das pessoas que consomem esse tipo de jogo tenham dito que jogam como forma de relaxamento, quase metade dos jogadores (43,9%) joga para ganhar dinheiro e 24,7% vê nesses jogos um investimento para melhorar a renda. 

Vale ressaltar, também, que do ponto de vista regulatório, a própria legislação brasileira separa os dois mercados. “O Marco Legal dos Games - Lei 14.852/2024 -, por exemplo, trata exclusivamente do desenvolvimento e da indústria de games, sem abranger os jogos de azar por entendê-los como não pertencentes ao setor”, aponta Raquel Gontijo. 

Mas, mesmo que existam distinções entre os jogos de azar e os jogos digitais, Camargo acredita que é compreensível que parte público perceba os jogos de azar como uma forma de entretenimento semelhante aos jogos digitais. Segundo ele, isso se dá pelo próprio nome dos jogos e pela presença de microtransações. “Essa percepção se reflete nos resultados da PGB 2025. No entanto, os chamados ‘jogos de sorte’ têm uma natureza distinta, sendo exclusivamente baseados no fator sorte. Muitos deles também exploram aspectos emocionais e financeiros dos jogadores, o que os diferencia dos jogos digitais tradicionais. Nossa pesquisa buscou entender o que realmente motiva o consumidor que recorre a esse tipo de entretenimento e por que alguns enxergam os jogos de aposta como semelhantes aos jogos digitais. Contudo, essa visão não corresponde à definição de um jogo no entendimento do mercado”, reitera. 

Confundir os jogos de azar com jogos digitais é um risco

Para Raquel Gontijo, há um risco na confusão entre os conceitos. “ Jogos como o 'jogo do tigrinho' e outras formas de apostas online podem levar parte do público a associá-los erroneamente à indústria de games, o que pode gerar desafios regulatórios e de imagem para o setor. A Abragames reforça a importância de manter essa distinção clara, tanto para proteger a indústria nacional de games quanto para assegurar que a legislação e as políticas públicas sejam elaboradas com base em informações precisas. O crescimento da indústria brasileira de games ocorre independentemente dos jogos de azar, com aumento no número de estúdios, profissionais e produção nacional”, pontua.

Para ela, inclusive, o sucesso dos jogos de azar não tem um impacto direto no aumento do público. “Não há uma relação direta entre o crescimento dos jogos de azar e a indústria dos games. O fato de haver um percentual de jogadores que também consome jogos de azar não implica que haja uma influência significativa de um mercado sobre o outro. Da mesma forma que uma pesquisa poderia indicar que gamers têm outros hábitos, como assistir a esportes ou viajar, isso não significa que essas indústrias estejam interligadas”, afirma. “A indústria de games tem como foco a criação de experiências interativas, educativas, competitivas e de entretenimento, muitas vezes com propósitos sociais e culturais. Os jogos de azar, por sua vez, operam sob uma lógica financeira baseada na aposta e no retorno monetário”, completa.