“Nós estamos aqui para contar histórias brasileiras”. A afirmação é de Amauri Soares, atual diretor dos Estúdios Globo, da TV Globo e afiliadas, ao citar o que considera ser a essência da emissora. A reflexão aconteceu em uma conversa com a imprensa realizada neste mês, no complexo de estúdios que fica em Curicica, na zona Oeste do Rio de Janeiro, que contou com a presença de O TEMPO, para falar sobre o principal foco da TV Globo em 2025: a celebração dos 60 anos, que contará com 60 horas de programação especial no próximo fim de semana.

Criada por Roberto Marinho, a emissora entrou no ar em 26 de abril de 1965 e construiu uma trajetória controversa, com glórias e derrotas, com elogios e críticas ferrenhas. Quer as pessoas gostem, quer não — há quem deteste e há quem admire —, o fato é que, ao longo dessas seis décadas, a TV Globo criou, fez e também cravou o seu nome na história: colocou a teledramaturgia brasileira como referência no mundo, revelou muitos talentos e se tornou uma das maiores emissoras do mundo.

Noticiou fatos importantes no país (como os massacre do Carandiru, em 1992, e na Candelária, em 1993) e no mundo (como a queda do muro de Berlim, em 1989, e os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York); produziu novelas que se tornaram clássicos, como “Roque Santeiro” (1985) e “Avenida Brasil” (2012), e apresentou ao público personagens inesquecíveis, como Viúva Porcina, Tonho da Lua, Sassá Mutema, Nazaré Tedesco, Carminha e as Helenas de Manoel Carlos; e há mais de duas décadas exibe o “Big Brother Brasil”, reality show mais longevo e mais assistido da TV brasileira.

“Pouquíssimas redes de televisão no mundo tiveram a importância socioeconômica e cultural que a Globo teve”, analisa o jornalista Ernesto Rodrigues, autor da trilogia “A Globo”, que narra a história da emissora. Em determinados momentos, ele conta, a emissora brasileira chegou a ser a maior do mundo em alcance e audiência no contexto ocidental, moldando aspectos culturais, políticos e jornalísticos do Brasil de forma inegável, superando o impacto de pioneiras como a TV Tupi, que operou numa era de menor penetração televisiva no país. “A Globo, com capacidade tecnológica e um projeto consistente, atingiu a plenitude”, destaca.

Rodrigues cita que Roberto Marinho, ao criar a TV Globo, reuniu um grupo de jovens executivos — em sua maioria vindos da publicidade — para montar um projeto ambicioso e inovador, mirando um padrão europeu para uma classe média que ainda engatinhava no país. No entanto, essa “Ferrari numa estrada esburacada”, como metaforiza o jornalista, enfrentou o desafio de se adaptar à realidade nacional, incorporando conteúdos mais populares para competir com emissoras como SBT e Record, que ganhavam espaço com formatos por vezes apelativos. O que nos faz retornar ao pensamento de Amauri Soares, expresso na primeira linha deste texto.

Para o executivo, a emissora chegou ao atual patamar e construiu uma conexão com o público por oferecer uma programação diversificada e planejada. “A gente trabalha aqui para fazer da TV Globo uma praça pública, no sentido de que ela está aberta para todos, para todos os temas e diferentes opiniões sobre o mesmo tema; aberta para as diferentes maneiras de viver, de amar e de olhar o futuro. Todos precisam ter lugar na praça”, defende.

“Somos brasileiros contando histórias do Brasil para brasileiros”, salienta Soares. “Se a nossa história impacta a sua vida, inspira você; se faz você pensar; se você discorda da nossa história, enxerga de outra maneira, mas está aberto para ouvir; se essa história ajuda você a compreender o nosso tempo, o nosso espaço de hoje; se essa história é boa assim, as pessoas veem. As pessoas estão aqui para ouvir”, destaca o executivo. “Esse é o laço que a Globo propõe com o Brasil; esse é o laço que nos trouxe até aqui nos últimos 60 anos e que a gente enxerga como sendo a continuação: nossas histórias sendo relevantes para as pessoas, as pessoas em volta da nossa tela ouvindo essas histórias e a gente seguir adiante com esse laço que criou”, reforça.

Porém, Ernesto Rodrigues chama atenção para mais um ponto. “A Globo precisa voltar a fazer o que sempre fez de melhor: informar com qualidade para o maior número de pessoas. Falar com todas as classes sociais. E precisa prestar atenção de novo ao IBGE e aos boletins de audiência. Porque perdeu um pouco essa visão geral do país. Ela precisa voltar a entender o Brasil — tanto o que aparece nas músicas de hip-hop quanto o que está no último censo”, frisa.

Desafios para o futuro

O que vem pela frente? Essa, inclusive, é uma pergunta feita na campanha que celebra os 60 anos da TV Globo e os 100 anos do Grupo Globo, e um ponto importante de reflexão. “É difícil prever, mas acredito que a Globo tem hoje uma boa saúde financeira. Claro, teve que tomar decisões difíceis, como muitas demissões e mudanças na programação. Isso gerou polêmica”, observa Rodrigues, que acredita que, hoje, o principal concorrente da emissora não é nem Record ou SBT, mas o YouTube.

“Mas se a Globo continuar investindo na sua principal capacidade — entender o que o brasileiro gosta de ver no audiovisual —, ela continuará tendo um lugar relevante, qualquer que seja a plataforma. Claro que não dá para esperar a hegemonia dos anos 1970 e 1980, com 80% da verba publicitária. A audiência está muito pulverizada. Mas como player, a Globo ainda tem muito a contribuir”, avalia.

Já Amauri Soares defende que a “Globo do futuro” não é uma promessa, mas uma realidade: uma empresa multiplataforma, presente no streaming e na TV paga (inclusive com conteúdos sob demanda), nas redes sociais e na TV aberta. “Se você perdeu o capítulo de ontem de ‘Vale Tudo’, por exemplo, você pode ver hoje na íntegra se for assinante Globoplay. Se não for, pode ver os trechos todos de graça. Você pode ver os milhares de recortes da novela nas redes sociais. A Globo está em todo lugar”, explica Soares, que ressalta que a chegada da TV 3.0 promete aprofundar essa integração, trazendo camadas de interatividade e customização à experiência televisiva tradicional. (Com Laura Maria)