"Pecadores" tem duas metades bem diferentes, com a primeira trilhando por um drama de época sobre racismo, com algumas pitadas de humor e ação, e a segunda enveredando pelo horror. Somadas, trazem um resultado interessante sobre o elemento sobrenatural presente no blues, música de origem afro-americana estabelecida principalmente no sul do país e que, mais tarde, inspiraria a criação do rock.
O que incomoda no filme de Ryan Coogler (o mesmo realizadores dos dois filmes de "Pantera Negra"), em cartaz nos cinemas, é a passagem de gêneros, feita possivelmente para criar um sobressalto no espectador, mas que acaba perdendo de vista alguns ingredientes determinantes no desenvolvimento da história e dos personagens, especialmente da dupla de irmãos interpretada por Michael B. Jordan.
Fuligem e Fumaça surgem como anti-heróis, que parecem estar acima da segregação, após trabalharem como gângsteres de Al Capone em Chicago. A violência representada por eles é quase cômica, ao atirarem em duas pessoas que tentavam roubar o seu caminhão. Eles envolvem toda a comunidade para o que será um grande clube feito para e por negros, incluindo um jovem guitarrista com pai pastor.
Há uma expectativa sobre essa dupla que não se concretiza, gerada por uma hora de narrativa sobre todo o movimento criado para tornar real um antigo sonho deles, que acaba sendo deixado de lado quando "Pecadores" entra de sola no horror gore. O local se torna o veículo de uma conexão espiritual muito forte, mas esse sentido não é construído da maneira mais apropriada.
Em sua segunda metade, "Pecadores" segue fielmente a cartilha dos monstros clássicos. Não há nada muito diferente nesses seres a não ser pela relação com a música. Uma das sequências mais bonitas é quando o clube é cercado, com todos do lado de fora cantando e dançando, quase de forma coreografada, que nos lembra os escravizados expressando seus cânticos nos campos.
Mal comparando, é como Spike Lee tivesse encontrado com Jordan Peele, partindo do orgulho negro, com a afirmação de seu modo de ser e estar no mundo, para o filme de gênero com leituras políticas e históricas. Pode ser lido como um retrato de como a cultura negra teve sua essência sugada e apropriada, numa chave descomedida. Mas sentimos falta do drama mais humano para costurá-lo.