Amaury Lorenzo estava pregado em uma cruz. Logo, não havia momento mais propício para fazer uma súplica aos céus. “Crucificado, pedi para que [Deus] me desse um trabalho de visibilidade, o qual eu pudesse pagar as minhas contas”, rememora.
Natural de Congonhas, à época, o ator interpretava Cristo no município onde Aleijadinho eternizou os 12 profetas e contava com uma força divina para que a sua carreira, inciada aos 10 anos, finalmente chegasse ao paraíso. Deus ouviu suas preces.
O ator já tinha feito algumas participações em novelas da TV Globo e da Record, mas foi depois de clamar o auxílio divino que conseguiu atuar numa novela das nove da Globo, “Terra e Paixão (2023)”, em que interpretou Ramiro, um capanga gay. Sucesso, o papel lhe rendeu o prêmio “Melhores do Ano” 2023, na categoria Revelação.
Grato pela graça alcançada, Lorenzo tornou a fazer o espetáculo da Paixão de Cristo nas terras sagradas de sua cidade-natal. “Voltei logo após a pandemia para fazer o Cristo novamente e agradecer ao Bom Jesus de Matosinhos pelo milagre”, celebra. Agora, ele fará o mesmo pela terceira vez, em Congonhas, por ocasião da Semana Santa.
“O Cristo mexe com a alma da gente. Estar fazendo o Cristo, na minha cidade, Congonhas, que é a capital mineira da fé, faz com que eu me torne mais forte, mais potente. A minha relação com o Bom Jesus é de gratidão. Eu pedi a Ele para ter dignidade por meio do meu trabalho, e fui prontamente atendido”, agradece.
Mas antes de usar as vestes de Cristo, Amaury Lorenzo vai interpretar outra figura messiânica, mas desta vez bem mais terrena. O ator dará vida ao líder religioso cearense Antônio Conselheiro, no espetáculo “A Luta”, com apresentação única em Belo Horizonte no próximo domingo (6), no Cine Theatro Brasil.
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A montagem, com direção de Rose Abdallah e texto adaptado de Ivan Jaf, revisita a Guerra de Canudos, conflito armado ocorrido entre os anos de 1896 e 1897, no sertão da Bahia. Acontece que, na montagem, não é só Conselheiro o qual Lorenzo dará vida. Assim como no milagre dos peixes e dos pães, ele se multiplicará em muitos e colocará no palco também os cerca de 20 mil seguidores de Conselheiro, bem como os militares que os perseguiram.
“Meu primeiro grande desafio foi: como representar, sozinho no palco, uma guerra com tantos personagens e milhares de pessoas? Como traduzir para o público os militares, Antônio Conselheiro e seus seguidores? Foi então que trouxe minha experiência de 30 anos no teatro para, tecnicamente, fazer com que o público percebesse essa multidão em cena. Essa é a mágica do teatro, esse poder milagroso de transportar as pessoas para dentro da história. E o mais impressionante é que, ao final do espetáculo, quando o público vem falar comigo, tirar fotos, o comentário é unânime: ‘você, sozinho, conseguiu nos fazer enxergar milhares de pessoas no palco’”, entusiasma-se.
O texto da peça se baseia na terceira parte do clássico “Os Sertões” (1902), de Euclides da Cunha, que fez um relato jornalístico sobre a guerra de Canudos.
Lorenzo, que até então tinha tido contato com essa parte da história do Brasil apenas no Ensino Médio, se debruçou sobre a obra para encontrar seu personagem. O exercício foi fundamental para que alcançassem o desejo de “não tomar partido” de nenhum lado da história.
“Realizávamos muitos encontros – eu, Rose Abdallah e Ivan Jaf – para explorar esse período crucial da história brasileira. Não nos limitamos ao texto dramatúrgico; mergulhamos na conjuntura da época para compreender, com isenção, como a Guerra de Canudos realmente aconteceu. Nosso objetivo não era tomar partido, nem de Antônio Conselheiro e seus seguidores, nem da República e dos militares, mas sim informar os fatos”, ressalta.
Na montagem, ele assume de um papel de um moderno rapsodo, “um narrador”, explica Lorenzo. Sendo assim, seu personagem ora conta a história de Canudos, ora a vivencia.
“Enquanto relato um fato histórico real, também dou vida a cada personagem por meio da interpretação corporal e vocal. Além de narrar as datas, o local e o período histórico, eu me transformo em Antônio Conselheiro, nos militares, nas mulheres, nos homens e nas crianças que viveram esse conflito. Então, o conceito de rapsodo moderno, nesse contexto, se manifesta no ator que está narrando e vivendo aquela história”, salienta.
Paralelo com o Brasil atual
Mesmo sendo um homem de fé, Amaury Lorenzo dispensa qualquer fanatismo religioso. Fazendo um paralelo do texto de Euclides da Cunha, escrito em 1902, com o Brasil atual, Amaury enxerga que a crença cega e absoluta é ainda determinante na sociedade.
“Os seguidores de Antônio Conselheiro foram conduzidos por ele de forma intensa, afetiva e emocional. A influência desse homem teve um impacto decisivo nos rumos da guerra. Todos aqueles que o seguiam acabaram morrendo em um contexto que pode ser descrito como fanatismo religioso. Esse aspecto dialoga fortemente com o presente, em que esse aspecto continua a influenciar até mesmo os rumos políticos do país”, salienta.
Outro ponto observado por Lorenzo de interseção com a atualidade é a polarização.
“Na Guerra de Canudos, de um lado estavam Antônio Conselheiro e seus seguidores, defensores da monarquia; do outro, os militares da recém-instaurada República. Essa divisão lembra muito a realidade atual do Brasil, onde também vivemos uma polarização política intensa", afirma.
"Por fim, um terceiro paralelo que considero essencial destacar é a força dos movimentos populares. Mesmo com suas contradições, os seguidores de Conselheiro formavam um movimento popular liderado por ele, que mobilizou milhares de pessoas e marcou a história do Brasil. Eu não estou dizendo que é um movimento bom ou ruim, mas que foi muito importante para o nosso país. E hoje em dia também entendemos que os movimentos populares são fundamentais para caminhos políticos do nosso mundo”, indica.
Lorenzo se despede de Chico, de ‘A Volta por Cima’
Após “Terra e Paixão”, Amaury Lorenzo engatou outro papel na TV Globo, desta vez como protagonista. Ele interpreta Chico, mulherengo incorrigível que passa por uma grande mudança ao se ver entre a vida e a morte. Prevista para ser encerrada com 173 capítulos, o folhetim foi esticado em mais sete capítulos e terminará no dia 26 de abril, uma vez que a data inicial do término coincidiria com a sexta-feira da Paixão.
“Chico é um presente que carrego no coração. Ele me ensinou, de fato, o que significa dar a volta por cima. Chico é um homem transformado pelo amor. No início, ele é um mulherengo, um pouco infantil, mas ao longo da trama amadurece e se torna um homem apaixonado, disposto a assumir o filho da mulher que ama. Para mim, Chico simboliza a essência de ‘A Volta por Cima’”, pondera.
Na avaliação de Amaury, a novela “é um sucesso de audiência” por tratar de temas “profundamente brasileiros.” “É uma novela popular, com audiência altíssima, e tenho um imenso orgulho de fazer parte desse elenco e desse projeto. Sou muito grato à Rede Globo por mais uma vez acreditar no meu trabalho e me proporcionar essa oportunidade incrível de integrar essa equipe talentosa”, comemora.
SERVIÇO
O quê. Espetáculo “A Luta”
Quando. Domingo (6 de abril), às 18h
Onde. Cine Theatro Brasil (avenida Amazonas, 315, centro)
Quanto. Entre R$ 120 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada). Ingressos aqui