O ator mineiro Rui Rezende morou durante muitos anos em Belo Horizonte e em diferentes períodos de sua vida. Ele nunca se esqueceu de que, quase todas às vezes em que entrava numa loja de CDs da capital mineira, o proprietário o recebia ao som de uma certa música: “Impérios de um lobisomem/ Que fosse um homem/ De uma menina tão desgarrada/ Desamparada se apaixonou”, versos de “Mistérios da meia-noite”, imortalizada na voz de Zé Ramalho. A canção era tema do professor Astromar Junqueira, o misterioso homem que virava lobisomem em “Roque Santeiro”, que até hoje Rui considera um dos personagens mais emblemáticos de seus mais de 60 anos de carreira.


“Na realidade, acho que qualquer ator podia fazer, porque é um personagem que chama muita atenção. Lobisomem é algo que fica no imaginário de qualquer pessoa; é muito forte. Tenho muito prazer em ter feito esse papel, porque era um personagem muito misterioso. Foi uma novela muito importante”, ressalta Rui que enxerga algumas características em comum entre ele e Astromar.

Rui Rezende (Astromar) e Mocinha (Lucinha Lins) nos bastidores de Roque Santeiro. Foto: Acervo Globo

 

 

“Eu nasci aí no fundão de Minas. A gente leva essa marca de bicho do mato pra sempre. Eu nem sei como é que eu fui parar na televisão... Se meu pai não tivesse morrido, eu teria sido lavrador no interior de Minas. Mas como ele morreu e deixou a minha mãe com oito filhos para criar, ela teve que se mudar para São Paulo, porque não ia conseguir viver no interior, que é o caso de Araguari (no Triângulo Mineiro), onde nasci. E aí a gente veio pra São Paulo e tudo aconteceu”, recorda o artista que está com 87 anos.


Mesmo sendo um marco de sua trajetória artística, por muito pouco Rui Rezende quase não fez “Roque Santeiro”. A equipe de produção da novela tentou falar com ele pelo telefone durante vários dias, mas sem sucesso. O aparelho estava quebrado e nem o próprio Rui havia notado. “Ele não tocava e eu também não o utilizava muito, então nem percebi que o telefone não estava funcionando. Um dia, eu estava embarcando para a fazenda de um primo em Minas, ia ficar uns tempos lá. Quando eu estava de saída para a rodoviária do Rio, recebi um telegrama do diretor-geral da novela, o Paulo Ubiratan, me convidando para fazer ‘Roque Santeiro’. E aí não pensei duas vezes. Quando ele falou do personagem, eu tremi na base. Eu preciso fazer de qualquer jeito. E foi o que aconteceu e ficou marcado pra sempre”, frisa.


O ator, que mora desde 2019 no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, por escolha própria, diz que até hoje fica impressionado com o impacto que a trama de Dias Gomes ainda causa nas pessoas e vira e mexe se depara com gente que o reconhece nas ruas por conta do eterno lobisomem. “Outro dia mesmo, um cara bem mais jovem, de uns 30, 40 anos, me abordou e falou tão emocionado. Eu ainda fico assustado com isso, de como é que essa coisa dura. É impressionante. É um fenômeno. Eu acredito que sejam aquelas coisas que foram feitas na hora certa, no lugar certo. Por isso deu tudo certo”, resume.

 

Rui Rezende mora no Retiro dos Artistas desde 2019. Foto: Michel Oliveira/Divulgação

 


Rui não mantém contato com ninguém do elenco, mas se recorda com carinho de sua grande parceira de cena, Lucinha Lins, que interpretava Mocinha, a paixão platônica do professor Astromar. “O elenco era fabuloso, mas quem me ajudou muito foi a Lucinha Lins pela generosidade dela. A gente contracenava muito, ficava bastante tempo junto e até frequentei um pouco a casa dela na época. Todos os colegas foram marcantes, mas ela foi mais, porque estava sempre mais próxima de mim”, frisa o ator que se prepara para filmar em julho, no Rio Grande do Sul, um filme baseado em uma peça escrita por ele mesmo.

 

“Eu sempre gostei de ler e escrever e uso meu tempo atualmente pra isso. Mas não me considero um escritor, mas um escrevedor. Mas se alguém vai ler, se interessar ou publicar o que escrevi, não é uma coisa que me angustia. Só de estar escrevendo já é uma recompensa. O meu grande prazer está no ato de escrever e de ler”, ressalta.


Questionado sobre se gosta de morar no Retiro dos Artistas, Rui não titubeia. “O que costumo dizer pras pessoas é: ruim com o Retiro, pior sem ele. No Brasil não existe uma instituição de apoio aos artistas, infelizmente. Nem em São Paulo, que é o estado mais rico da federação e que deveria existir um. Esse aqui é o único. Então, eu acho que estou bem. Eu gostaria de estar em outro lugar com um conforto maior, mas o meu dinheiro, tudo que eu ganhei foi parar no bolso alheio. Então vou levando a minha vida aqui e estou satisfeito do jeito que está”, afirma.