OURO PRETO – Em sua passagem pela 20ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, onde vem sendo destacada como uma das diretoras mais prolíferas da atualidade (faz praticamente um filme por ano desde 2006), assinando principalmente comédias, Cris D’Amato não tira o olho do celular. Ela está acompanhando a etapa de feitura da trilha sonora de “Silvio Santos Vem Aí”, previsto para ser lançado em setembro – embora a própria cineasta considere o prazo muito curto para entregar o filme pronto.
“Não tive problemas com produtoras querendo impor atores. Mas pressão para terminar o filme logo, sim”, diverte-se Cris. Bem-humorada, sorridente e cheia de otimismo, é a cara da comédia brasileira por trás das câmeras. “Eu gosto de comédia, tenho prazer em ver comédia. Gosto de uma Sessão da Tarde. Não acho que é um gênero menor. Pelo contrário. Acho dificílimo fazer”, registra a diretora, que tem no currículo sucessos como “S.O.S. Mulheres ao Mar” (2014) e “A Sogra Perfeita” (2019).
“O nome disso é fominha. Eu amo fazer, amo estar no set”, assinala Cris, ao responder a razão de ter um número tão expressivo de longas feitos – afinal, a demora para levantar recursos e fazer um filme é a reclamação de nove em cada dez cineastas do país. “Faço muito porque gosto muito. E eu dou conta de fazer. Se eu não desse conta, já tinha parado no quinto. Já tinha dado errado”, destaca. Além de passar boa parte do tempo filmando, ela também tem como qualidade a rapidez, entregando tudo no prazo.
Se enfrentou algum momento de hesitação foi por alguns segundos. Como assistente de direção de Daniel Filho, ela era instigada a assumir as rédeas de cenas importantes. “Ele falava para mim: ‘não vai dar tempo de eu fazer isso, então vá lá fora e faça’. Não era ir lá fora com o elenco de apoio, mas sim com o Ary Fontoura, com a Glória Pires, com o Tony Ramos... Eu olhei para ele meio panicada até ele falar ‘Já fez tantos filmes. Está com medo?’”, lembra. Foi assim que Cris fez, por exemplo, a abertura de “Se Eu Fosse Você 2” (2009).
Na receita de Cris D’Amato está a ausência de preconceito (“Faço qualquer coisa”, afirma), “fazendo com o mesmo empenho desde um drama pesado à comédia mais rasgada”. Em todos os seus projetos, ela dá uma especial atenção ao roteiro. Mesmo quando é diretora convidada, é imprescindível para a cineasta dar uma mexida no texto. “Eu recebo o roteiro e falo ‘ah, não, vamos mudar’. Isso acontece com todos os filmes”, alerta Cris, que também adora direção de atores.
“Eu vibro ao ver um ator trabalhando... Eu fui atriz durante 17 anos, vim do teatro. Sei o que é estar ali, do outro lado”, assinala. Por isso ela gosta tanto de escolher o elenco. Cris nunca sofreu nenhuma imposição das produtoras para escalar determinado nome. “Eu nunca deixei de escolher os atores. É a única coisa que pode fazer um filme ficar melhor. Não por ser bom ou mau ator, mas sim porque uma personagem precisa de determinado tipo de ator. Os dois precisam ter o mesmo timing, a mesma vibe”.
Na Mostra de Cinema de Ouro Preto, o filme escolhido para entrar na programação foi “Linda de morrer” (2014), protagonizado por Glória Pires que ela não via há dez anos. “Revejo quando está passando em algum lugar. Aí paro para ver. ‘S.O.S. Mulheres’ passa muito, assim como ‘A Sogra Perfeita’. E, quando vejo, fico incomodada, ao perceber algumas condições, como o fato de, naquele dia, não ter tempo, não ter dinheiro, o cenário não ter sido bom”, confessa.
Busca de outros caminhos
“Linda de Morrer“ está entre os cinco longas de Cris que ultrapassaram a casa de 500 mil espectadores. A expectativa sobre retorno de bilheteria não é motivo de grande preocupação para ela. “Eu não costumo carregar essa culpa. Não somos os únicos donos do filme. Às vezes, colocam o seu filme às 14h em Guadalupe (bairro da zona norte do Rio). Quem vai ver? O ‘Viver a Vida”’ fez menos de 100 mil espectadores, mas, na Netflix, ficou no top 10 por dez dias. Se tivesse sido água, como no (jogo) Batalha Naval, ficaria preocupada”.
Apesar de seu último filme lançado nos cinemas não ter ido bem, Cris diz que adora “Viver a Vida!”, que chegou às salas no início de 2025. “Não tiro uma vírgula dele. É um filme em que a gente conta a história de um amor maduro. O elenco tem a Thati Lopes e o Rodrigo Simas, mas a gente conta a história dos personagens de Jonas Bloch e Regina Braga. Eu não gosto de ficar na caixinha. Com (o produtor) Julio Uchoa, que é meu grande parceiro, eu estou buscando outros caminhos, mas apenas por uma satisfação pessoal”, revela.
“É um desafio, para não ficar batendo na mesma tecla. Não que eu não goste do som desta tecla, mas quero ter outros sons, outras melodias, também”, explica Cris. Segundo ela, independentemente do filme que seja, o público verá bom humor. “É algo que levo comigo, E preciso que tenha no set de filmagem, porque o que você faz no set se encontra no set. Na verdade, o que a gente faz é uma grande mala. A gente começa com uma mala pequeninha e, ao colocar nela tudo o que está aprendendo. Em algum momento ela terá um peso maior”.
A principal referência de Cris D’Amato é o diretor italiano Mario Monicelli. “Eu amo de paixão. Amo ‘Quinteto Irreverente’, sempre choro de rir. Hoje em dia não é mais um humor politicamente correto, mas ele me inspirou muito. Como eu vim do teatro, eu tenho inspirações que não são do cinema. Eu fiz Shakespeare como atriz o ‘Comédia dos Erros’, que me inspira ao como ouvir e responder. Também sou a pessoa que gosta de bobagens, como ‘American Pie’”, detalha.
Para ela, não é porque são mulheres que estão conseguindo maior espaço entre as comédias. “É porque somos todas competentes, independentemente do sexo”, observa, admitindo uma certa alienação em relação a competividade com os homens. “ Achava que todo mundo tinha espaço para fazer. Eu, por exemplo, fiz 29 filmes como assistente. Então não achava que tinha competição. É claro que tinha. Mas agora não é que a gente conseguiu um espaço, mas sim que abrimos um espaço”.
Silvio vem aí
Em relação aos projetos futuros, Cris adianta viver uma grande expectativa em torno de “Silvio Santos Vem Aí”, que chegará às telonas pouco mais de um ano depois da estreia de “Silvio”, protagonizado por Rodrigo Faro e que recebeu uma saraivada de críticas negativas. “O Leandro Hassum está muito bem. Ele será uma surpresa. Eu brincava com ele: ‘Sem ‘raciocinice’. É Silvio Santos. E ele faz muito bem, sem prótese, embora tenha um formato do rosto igual”, antecipa a realizadora.
“Estou com muita expectativa, mas, não que ‘ah, vai dar mais de um milhão’. É a expectativa do ficar bacana, de eu olhar e falar: ‘Que bom que eu fiz’. O filme tem coisas engraçadas, porque tem o programa propriamente dito, mas não é uma comédia de riso frouxo”, alerta. “Silvio Santos Vem Aí” acompanha a época em que o apresentador tentou concorrer à presidência da República, mas a candidatura dele, pelo PMB, foi impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“A gente faz um recorte, porque não dá para contar a vida toda do Silvio Santos. É um recorte super interessante que as pessoas não lembram. Pelo menos o público do Silvio não se lembra disso”, salienta, que também foi espectadora do programa de Silvio. “Eu tive os domingos pautados pelos horários do programa dele. Reviver isso foi muito legal”, frisa Cris D’Amato, que também está envolvida na adaptação de “Toda Será Castigada”, dirigida por Daniel Filho, desta vez como produtora.
(*) O repórter viajou a convite da organização da Mostra de Cinema de Ouro Preto