O trabalho de Eliane Caffé é único no Brasil, entre o cinema socialista de Ken Loach e o neorrealismo de Roberto Rosselini, elegendo comunidades vulneráveis como protagonistas. Em "Filhos do Mangue", em cartaz nas salas do país, não é diferente.

Como em seus longas anteriores, como "Narradores de Javé" (2003) e "Era o Hotel Cambridge" (2016), a história parte de um sentido comunitário já estabelecido, mas em vias de se romper devido a um fator externo.

A luta pela manutenção desse espírito coletivo é entendida como uma defesa quase utópica de valores já caducos, frente à modernidade e à globalização, que trazem ingredientes individualistas. É como dizer que esse progresso é desagregador.

Eliane desenvolve esses elementos em "Filhos do Mangue" quando o caos já está instalado e uma vila pesqueira do Rio Grande do Norte se vê dividida após o sumiço de um dinheiro da cooperativa, com Pedro Chão (Felipe Camargo) como responsável.

Esse processo de culpabilidade é interessante, porque ocorre de maneira invertida ao que vemos em outras narrativas. Pedro encontrado na praia, amarrado a uma cadeira, surrado e ameaçado por todos, sendo alijado do grupo.

A punição dele já foi decretada, sem, ao menos, o espectador compreender em detalhes o que ele fez. O entendimento ocorre, em parte, de forma oral, um aspecto valorizado por Eliane em sua filmografia, como se já fosse forte o suficiente para se sustentar.

O curioso aqui é que o próprio Pedro não sabe o que fez. Está sem memória, após ser, provavelmente, escorraçado por uma gangue. Assim, o personagem parte numa jornada de autodescoberta como se fosse uma segunda chance.

A tentativa de reaproximação, após perder suas próprias referências, revela a importância desse lugar chamado "nossa terra". O filme mostra a beleza das coisas singelas, do trabalho cotidiano e do contato com a Natureza.

Como o título já deixa claro, Eliane promove a defesa dessa simbiose do homem com o lugar. A geografia é um elemento essencial nas obras da diretora, abrindo espaço para uma abordagem documental, ao registrar o dia a dia dos manguezais com trabalhadores reais.

A redenção de Pedro se dá por esse lugar. Uma das mais belas cenas de "Filhos do Mangue" é quando o protagonista se apresenta como um outro ser, transformado pelo ambiente, ao inserir galhos em sua cabeça e nos braços. 

Essa mudança não nos leva a solução da história policial, em torno de um grupo estrangeiro que usa a vila para suas ações criminosas, especialmente em torno de turismo sexual. Muito menos os erros de Pedro serão esquecidos.

O que Eliane Caffé realiza, em roteiro escrito com Luis Alberto de Abreu e baseado no livro "Capitão", de Sérgio Prado, é uma elegia à vida em comunidade e às características sociais do homem que a vida moderna tenta desfazer.

Felipe Camargo tem uma das melhores atuações de sua carreira, mas talvez lhe falte uma interpretação mais internalizada, como se, em sua desmemória, pudesse carregar algo dúbio, entre a fraqueza de caráter e o sentimento comunitário.