Ruth de Souza (1921-2019) e Léa Garcia (1933-2023) abriram caminhos no teatro, cinema e televisão brasileiras, rompendo barreiras para artistas negros para além dos palcos. Suas trajetórias, marcadas por pioneirismo e resistência, continuam a inspirar novas gerações. É esse legado que o espetáculo “Ruth & Léa” leva ao Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte (CCBB-BH) entre 15 de agosto e 1º de setembro, com sessões de sexta a segunda-feira, às 21h. A montagem é estrelada por Bárbara Reis e Ivy Souza, com direção de Luiz Antônio Pilar e texto de Dione Carlos.
No palco, três mulheres se encontram em um estúdio de cinema para criar, revisitar memórias e imaginar futuros. As personagens, Zezé e Elisa - inspiradas em Zezé Motta e Elisa Lucinda -, são atrizes que iniciam os ensaios para um filme musical sobre Ruth e Léa, e mergulham nas trajetórias dessas figuras. Ao lado da diretora e musicista Naná (Gláucia Negreiros), constroem uma narrativa que combina música, projeções e referências a artistas como Mercedes Baptista, Grande Otelo e Abdias do Nascimento.
“A peça percorre e conta a história de grandes artistas negros que, junto de Léa e Ruth, são referência para nossa historiografia. Conforme vamos narrando essas memórias, a linguagem do espetáculo vai criando diferentes contornos e dimensionando o dispositivo do jogo de cena. Foi um exercício de atuação”, explica Ivy Souza, que interpreta Léa Garcia. Para Bárbara Reis, viver Ruth é como “entrar num grande quilombo artístico, onde cada elemento carrega a força de uma herança”. “A música, as projeções, as imagens… tudo me envolvia e me lembrava que estava pisando em um território sagrado de histórias e afetos. Era impossível não se sentir responsável por honrar cada uma dessas vozes”, conta a atriz.
“Ruth & Léa” costura memórias com canções de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Milton Nascimento e Debussy, criando um diálogo entre passado e presente da arte preta no Brasil. “A trajetória de Ruth dialoga com a minha em vários níveis, desde as origens, o amor pela arte, até a luta para ocupar espaços que nem sempre foram pensados para a gente. Ao mergulhar na história dela, percebi que estava também revisitando memórias da minha família, das mulheres que me formaram e que, assim como a Ruth, abriram caminhos para que eu pudesse estar aqui hoje”, afirma Bárbara.
A atriz destaca ainda a coragem da homenageada, que foi a primeira atriz brasileira a concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cannes, por “Orfeu Negro” (1959). “Ruth enfrentou preconceitos e limitações estruturais sem nunca perder a delicadeza e a firmeza do seu ofício. Ela se colocou onde diziam que não era lugar para ela, e fez isso com talento e dignidade que atravessam gerações. É impossível não se inspirar”, pontua. “Muitos artistas talvez nem percebam, mas o caminho que percorremos hoje foi pavimentado por passos como os dela. Ruth nos ensinou que é possível fazer arte de excelência e, ao mesmo tempo, transformar a estrutura onde essa arte acontece”, avalia Bárbara, que protagonizou a novela “Terra e Paixão” (2023) e está no elenco de “Três Graças”, próximo folhetim das nove da Globo.
Ivy Souza também reconhece a força da atriz que homenageia no espetáculo. “Sempre tive profunda admiração por Léa. Cada memória, cada filme, cada entrevista foi um pedaço de renda que bordou uma grande colcha de retalhos. Léa era uma artista muito sensível, engajada. Me senti muito conectada com seus posicionamentos e mais admiradora dessa mulher sonhadora que ela foi”, diz. “Eu acho admirável o quanto ambas foram corajosas e destemidas, e construíram um legado coletivo, ainda que de uma forma muito solitária”, comenta Ivy, que deu vida à cozinheira Dhu na novela “Mania de Você” (2024), da Globo.
Legado e memória
"Ruth & Léa" também integra as comemorações pelos 80 anos do Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado por Abdias do Nascimento. “Homenagear é presentificar a memória. O Teatro Experimental do Negro é um legado que deve se manter vivo em nossas referências artísticas. Espero que o público possa rememorar conosco a importância dele e celebrar a vida de Léa e Ruth”, diz Ivy. Bárbara complementa: “Trazer essa memória para o palco é também trazer consciência. Espero que o público sinta orgulho, emoção e, acima de tudo, que se reconheça nessa história, entendendo que ela não é só sobre o passado, mas sobre o que ainda precisamos construir juntos”.
A temporada de “Ruth & Léa” em BH contará também com bate-papo especial no dia 16, após a sessão, reunindo as atrizes Bárbara Reis e Ivy Souza e o diretor Luiz Antônio Pilar para conversar com o público sobre o processo criativo e a importância de Ruth de Souza e Léa Garcia para a cena artística nacional.
Serviço
O que. Ruth & Léa
Quando. De 15/8 a 1º/9; de sexta a segunda, às 21h
Onde. Teatro I do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários)
Quanto. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), disponíveis no site do CCBB-BH e na bilheteria do centro cultural