Se tivesse planejado a data do lançamento de "No Céu da Pátria Nesse Instante", Sandra Kogut provavelmente não teria a mesma sorte de levar o filme para as telas num mês tão capital para os rumos da direita e esquerda no Brasil. "Teve gente que falou assim: 'Vocês escolheram tão bem o momento de lançar. Imagina se a gente consegue planejar alguma coisa com esse roteirista do Brasil, que está sempre surpreendendo", registra a diretora.
Um das principais estreias da semana, o longa foca os bastidores da eleição presidencial de 2022, acompanhando a grande tensão política vivida pelo país e que culminou com a invasão à Praça dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro do ano seguinte. "É sim um momento muito oportuno para lançar o filme, por está tudo (acontecendo) de novo, tudo muito vivo", assinala.
Quando apresentou "No Céu da Pátria Nesse Instante" na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro do ano passado, o clima de polaridade tinha diminuído, lembra Sandra. "Nada disso tinha desaparecido, mas as pessoas estavam se permitindo a pensar que sim, né? A pensar que a gente estava em outro momento. Todo filme é um ser vivo, vai mudando de acordo com o tempo", analisa.
"No caso deste filme, especificamente, acho que ele realmente tem uma coisa de ir ganhando camadas. Quanto mais o tempo passa, vai ganhando complexidade. E esse momento que a gente está é, particularmente, forte, porque além de tudo que a gente tá vendo nesses dias no noticiário, há uma eleição agora já na esquina, que dominou o debate público também", salienta.
Ao pegar a câmera num instante tão conturbado do país, Sandra Kogut afirma que sua vontade foi de fazer um filme que "fosse realmente no calor dos acontecimentos". Segundo ela, daqui a 20 anos, quando olharem para os acontecimentos de hoje, a visão deverá ser outra. "Pela nossa relação com o tempo, pela rapidez com que as coisas circulam, eu pensava que a gente iria fazer um arquivo do presente", revela.
"Quando a gente fala em arquivo, é sempre alguma coisa que já passou. O que fizemos foi, sem conseguir enxergar muita coisa, tentamos olhar para aquilo com toda a estranheza que a distância traz. A sensação era de que a gente estava preso num presente e, assim, foi dificílimo ter um fio da meada, porque você não conseguia prever o que vinha pela frente", comenta Sandra.
Ao longo das filmagens, sua mente era invadida por perguntas como "Haverá eleição?" e "Vão dar um golpe?". Ela conta que não conseguia, no calor daqueles fatos, enxergar algo realmente. "Estava todo mundo meio zonzo, né? Tudo isso me levou a querer fazer esse filme, com a consciência de que tudo isso ia ser material do filme, inclusive essa dificuldade de enxergar, sabe?", explica.
O documentário foca em pessoas anônimas, de todas as bandeiras e lugares do Brasil, o que levou a equipe a se movimentar de norte a sul do país. "Queria ter diversidade, inclusive geográfica, no leque de personagens. Eu queria ter personagens dos dois lados do espectro político, em lugares diferentes do Brasil. Havia ainda mais pessoas, mas que acabaram não entrando no filme".
Em alguns momentos, um personagem muito interessante acabou sendo eliminado da edição, porque não se equilibrava com os demais. Em outros, ele desistia de continuar filmando, especialmente no grupo de bolsonaristas. "O filme tinha que o tempo todo que dar conta disso, em lidar com todas essas incertezas, eter essa flexibilidade", detalha Sandra, que buscou, acima de tudo, mostrar um Brasil cheio de medo e esperança.
"Não era uma contabilidade sobre um lado e outro lado. Era um filme sobre o Brasil. Não importava muito quanta gente tinha daqui ou dali, se tinha mais gente do norte ou do sul... Era um filme sobre o Brasil daquele momento, onde todo mundo estava se sentindo com muito medo eo nde tinha também esperança, sabe? Foi foi desafiador. Para chegar a esses personagens, foi uma história, um trabalho de formiguinha", recorda.
Um dos princípios de Sandra Kogut era fazer um filme sobre um grande momento de nossa História a partir de pessoas desconhecidas. "Não queria as estrelas da política. O político está sempre meio numa performance, ele lida com a sua imagem. Eu acho infilmável desta forma. Queria aquele personagem que, muitas vezes, está num cantinhho, em que ninguém olha para ele, mas que tem papel fundamental para aquilo acontecer".