GRAMADO - "Se tudo der certo na minha vida, o máximo que irei conseguir é um banheiro químico no Baixo Gávea", registra, em tom bem-humorado, o cantor Léo Jaime. Aos 65 anos, o cantor não tem muita expectativa em relação a futuras homenagens públicas. "Isso se tudo der certo", ressalta, ao falar do tributo fictício que recebe no filme "Papagaios", exibido na noite de domingo (17), no Palácio dos Festivais, no Festival de Cinema de Gramado.
Na trama dirigida por Douglas Soares, sobre os "papagaios de pirata", pessoas que buscam fama ao aparecem ao fundo em imagens de reportagens televisivas, Léo Jaime é um dos artistas que sofrem esse tipo de assédio. Ele interpreta a si mesmo, como o escolhido de uma escola de samba do Rio de Janeiro para ser homenageado no Carnaval. O cantor trata essa participação como uma homenagem em vida.
"É um personagem que demorei mais de 60 anos para construir. O filme precisava de um Léo Jaime que fosse útil para contar aquela história, já que cada dia estou de um jeito e tenho várias facetas. Acho que fui muito bem dirigido e, quando vi o filme, entendi que estava lá o Léo Jaime que as pessoas esperam. Sinto que o filme foi mais uma homenagem. O que eu fiz foi retribuir essa homenagem", assinala.
No mundo real, porém, a história é bem outra. "Não tem uma rua chamada Rita Lee, uma avenida Cazuza ou Paulo Autran, uma cidade com o nome de Cássia Eller ou Cássia Eller. Fizeram uma ciclovia em homenagem ao Tim Maia, mas que caiu no segundo dia. Cazuza virou uma esquina que chamam de praça. Renato Russo virou nada. Mas há uma rua com nome de vereador....", lamenta.
"A partir disso, percebo como a gente lida com as pessoas que constroem a nossa subjetividade, como cantores, músicos, compositores, artistas plásticos, os bailarinos... Qual o valor que a gente dá para isso?", pondera Léo Jaime, que busca ter uma relação saudável com a fama, conquistada após emplacar hits mo "Rock Estrela", "As Sete Vampiras" e "Gatinha Manhosa" nas décadas de 1980 e 1990.
"Eu convivo bem com a fama. Atualmente, depois de tanto tempo, não acho esquisito que as pessoas me reconheçam na rua. Eu cumprimento todo mundo, passo na porta do prédio e cumprimento o porteiro. É como eu sou e faz parte da minha vida", registra. Ele observa que o sucesso alcançado como cantor é muito diferente daquele proporcionado, por exemplo, pela televisão.
"Quando eu fiz uma novela ('Bebê a Bordo', exibida em 1988 e 1989) e ela estourou, foi um outro público completamente diferente. O público da música sabia quem eu era, como eu pensava e me posicionava sobre a vida. O público da novela achava que eu era o personagem. É esquisito, porque eles estão olhando para mim, mas estão vendo um personagem", compara Léo Jaime.
Para o cantor, o público da música é mais fiel, porque a relação com o artista é mais duradoura. "Eles gostam de você para a vida inteira", salienta. Na TV, gostam de você enquanto é o personagem. Três meses depois, já não é mais tão importante assim. Antes, as pessoas ficavam famosas porque eram importantes. Hoje, a perspectiva é ficar importante por ser famoso. Há uma doença nisso aí, uma doença muito atual".
Na avaliação de Léo Jaime, esse tipo de validação externa é o que faz com que um garoto entre numa escola e atire a esmo. "Ela nunca vai lhe dar o que a satisfação consigo mesmo vai lhe dar. Não sou nenhuma autoridade no assunto, mas acho que o filme aponta, de uma forma muito simples, direta, popular e até divertida, um tema que é muito perigoso", enfatiza o cantor.