Desde que se lembra por gente, Ionete da Silveira Gama, mais conhecida como Dona Onete, tinha uma grande ambição: ela queria que o carimbó, manifestação musical típica da região Norte do país, ultrapasse as fronteiras do Pará e ganhasse outras regiões do país, quiçá o mundo. Para tentar alcançar o sonho, fez muitas coisas: cantava, trabalhava com cultura popular, falava do carimbó em suas aulas… Demorou, mas esse momento chegou.
Aos 73 anos, Dona Onete lançou seu primeiro disco, o “Feitiço Caboclo.” Pouco tempo depois, saiu em turnê pelos Estados Unidos, Portugal, França e Inglaterra; cantou nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro; suas músicas foram executadas em novelas da Globo e ainda acumulou alguns prêmios com elas.
Hoje, aos 86 anos, ela continua em plena carreira artística e reflete sobre a sua relação com a idade. “Realizei o sonho de ser cantora, algo que queria desde a infância. Sou uma cantora e compositora na terceira idade e sempre digo: não é porque chegou nessa idade que a vida acabou, ainda temos muita coisa para fazer”, exclama.
Embora nem tudo sejam flores – não foram poucos os comentários preconceituosos dirigidos a ela por conta da idade –, Dona Onete conta que a maturidade foi fundamental para a sua formação artística. “Antigamente, eu era muito envergonhada, jamais subiria em um palco. Mas, depois dos 60, isso muda. Graças a Deus, hoje eu não tenho medo de qualquer palco, eu subo mesmo. A maturidade só me deu força”, sentencia.
A artista faz parte de um grupo de pessoas maduras que tem lutado pelos seus sonhos da juventude. Segundo a pesquisa Sonhos Brasileiros, do Grupo Croma, de 2024, 59% dos idosos com mais de 65 anos têm vontade de fazer cursos de idioma, desenho e pintura.
A funcionária pública Nice Maria de Oliveira Costa, de 58 anos, não faz exatamente parte desse coletivo, mas está realizando agora um sonho de quando jovem: entrar para a universidade. Quando fez magistério, muitos anos atrás, sua intenção era cursar pedagogia, “mas a parte financeira não colaborou”, e ela acabou aceitando um emprego como recepcionista de um hospital. Pouco tempo depois, Nice passou em um concurso interno e começou a atuar na área da regulação hospitalar.
Além disso, veio a maternidade para a qual Nice precisou se dedicar. Idealizadora e consultora da Longeva, empresa especializada em orientação profissional com foco em longevidade, Juliana Seidl diz que a cobrança com os cuidados domésticos era muito evidente para mulheres que hoje estão na casa dos 60.
No entanto, ela avalia que essa visão tem mudado. “Mesmo dentro desse grupo, muitas já não estão aceitando mais ficar com tripla jornada sozinhas. A geração Z, então, nem se fala. E a Y, a X e até as mais velhas também já vêm observando a necessidade de exigir que os homens contribuam mais, tanto na organização de eventos familiares quanto no cuidado com netos e com a casa”, salienta.
Orientações para entrar no mercado de trabalho
Fato é que o sonho de Nice não morreu com o decorrer dos anos. Trabalhando em um hospital, ela acabou se apaixonando pela área da saúde e decidiu que faria enfermagem. Calhou de Nice ganhar uma bolsa de estudos em uma universidade oferecida pelo próprio hospital. “Até chorei”, recorda-se.
Ela, que começou a estudar em 2022, vai se formar no fim do ano. “Sempre tive vontade de ajudar os outros de maneira mais presente, e agora poderei fazer isso. Já fiz estágio e o que quero agora é poder finalmente atuar na área de acolhimento. Com a minha idade, creio que poderei fazer isso muito bem”, relata.
Para quem deseja entrar no mercado de trabalho com mais de 50 anos, Juliana Seidl aponta quatro dicas. “O passo primeiro é manter a aprendizagem contínua, não apenas as competências técnicas da sua área de interesse, mas também competências tecnológicas e socioemocionais.
Depois, preparar um currículo objetivo, de até duas páginas, que destaque suas especialidades. Além disso, é preciso fazer uma ativação da rede de contatos: é fundamental informar familiares, amigos, antigos chefes e colegas sobre suas reais e atuais necessidades. Por fim, considere ter um trabalho em vez de um emprego: se estiver demorando muito para conseguir um emprego, considere a possibilidade de oferecer serviços como autônomo, freelancer, prestador de serviço”, indica.
Nice tem duas colegas de sala na faixa dos 60 anos, que integram uma estatística crescente no país. Dados do Mapa do Ensino Superior no Brasil, publicado em março deste ano, revelaram que, por mais que ainda sejam minoria nas universidades, os idosos foram o único grupo que registrou crescimento do número de matrícula nos cursos presenciais em instituições privadas de ensino superior entre 2013 e 2023, com um aumento de 22%.
Faculdades com cursos para 50+
De olho nesse público, faculdades de Belo Horizonte têm apostado em cursos voltados exclusivamente para essa faixa etária. O Centro Universitário Estácio, por exemplo, criou o Programa da Maturidade, em que os alunos podem montar a sua própria grade curricular e escolher disciplinas que mais despertam seu interesse. Entre as opções, estão cinema, pintura, fotografia, inglês, espanhol, teatro, dança, novas tecnologias, culinária, entre outros.
Também na capital, o Centro Universitário UniArnaldo oferece o projeto Universidade Aberta para a Maturidade Arnaldo 50+, voltado para pessoas com mais de 50 anos que desejam estudar. O programa se estrutura a partir de cinco eixos principais, com oferta de disciplinas de canto e coral, dança livre, espanhol e inglês básicos, gastronomia, pintura, psicologia, Tai Chi Chuan, xadrez, entre outras. Pesquisadora de envelhecimento há 15 anos e coordenadora do projeto, a psicóloga Renata Mafra Giffoni observa que idosos que decidem entrar para a faculdade tendem a ter um envelhecimento mais ativo e saudável.
“Estando nesse ambiente, os alunos também recebem um olhar mais atento e cuidadoso sobre as questões próprias da idade”, examina. Depois de anos pesquisando esse público, ela observa uma divisão em três grupos: os que envelhecem com consciência e querem aprender algo novo; os que negam a chegada da idade e o grupo que está à margem da sociedade. “É importante que esse público tenha acesso a condições mínimas de dignidade. Um envelhecimento saudável também diz respeito a uma capacidade financeira estável”, analisa.
Um clube de escritores só para quem tem mais de 50
Aos 50 anos, a jornalista Adília Belotti participava de um jantar com amigos quando surgiu uma pergunta que mudaria muita coisa: “Temos 50 anos… e fazemos o quê agora?” O tema veio à tona porque seus desejos permaneciam vivos, especialmente o de escrever, mas raramente encontravam espaço para que fossem concretizados.
Foi então que nasceu a ideia de criar um clube de escritores voltado exclusivamente para pessoas com mais de 50 anos. “Era a época em que os blogs começavam a explodir e, aos trancos e barrancos, conseguimos colocar no ar o Clube dos Escritores 50 Mais. Hoje, quase 20 anos depois, o nome certo seria 70 Mais”, brinca Adília.
No espaço, os escritores são convidados a publicarem crônicas e contos. Além disso, a plataforma serviu de incentivo para que os colaboradores publicassem obras de estreia, como foi o caso de Adília, hoje com 71 anos. “Publiquei meu primeiro livro, ‘As Velhas’ já próxima de completar os 70 anos, o clube serviu de caldeirão de experimentações”, aponta.
Quando questionada sobre realizar um desejo na maturidade, Adília afirma que a idade não é determinante quando o assunto é buscar o que se quer. “A vida não é um contínuo, mas cheia de mudanças em qualquer fase. É uma bobagem pensar que, aos 50 anos, você já terá tudo resolvido”, pontua. É como diz o provérbio: “enquanto há vida, há esperança.”