GRAMADO – “São só cinquentinha. Ainda tem muita coisa para fazer”, avalia Rodrigo Santoro, após comentar a observação de ter entrado na história do Festival de Gramado, um dos mais importantes do cinema brasileiro, quando subiu ao palco do Palácio dos Festivais para receber o Kikito de Cristal, na última sexta-feira. O aniversário redondo é nesta sexta-feira (22), mas a comemoração vem acontecendo desde o momento que pisou na cidade da serra gaúcha, marcada por momentos de muita emoção, acompanhada de perto pelos pais e pela esposa, a atriz e apresentadora Mel Fronckwiak.
Aos inúmeros jornalistas que o acompanharam na feitura do Kikito, numa fábrica de cristais em Gramado, o ator nascido em Petrópolis lembrou que, por muito pouco, não foi um colega de profissão. “Eu quase fui jornalista. Eu estudei na PUC e só não me formei porque comecei a trabalhar como ator. Tenho muito respeito pela profissão de vocês, mas a vida me colocou desse lado. E eu lido com a imprensa há muitos anos e tem sido um aprendizado muito grande. Fazia muito tempo que não via não tanta gente junta. O que a gente deseja é que não falem bem da gente, mas apenas olhem com os olhos de quem quer ver”.
Não é exagero. Santoro teve uma paciência bíblica (para quem não sabe, ele interpretou Jesus em “Bem-Hur”) nos três dias que esteve na cidade. Visivelmente cansado, atendeu com carinho os pedidos de entrevista e participou das atividades com prazer e curiosidade. Na fábrica de cristais, onde também deu uma entrevista coletiva, se encantou com um artista que extraia músicas de copos com água e não sossegou até aprender alguns macetes. E se divertiu ao fazer um vaso no forno que parecia uma abóbora, na definição dele. “Vou mandar para minha mãe. Mãe sempre acha tudo lindo”.
Numa carreira de grandes sucessos, nacionais e internacionais, como “Bicho de Sete Cabeças”, “Carandiru” e “300”, quando fez o papel do vilão Xerxes neste blockbuster de Hollywood, Santoro não carrega arrependimentos. Ao topar fazer “O Filho de Mil Homens” com estreia na Netflix neste semestre, abriu mão de participar de uma série, criando um “fantasminha” em sua cabeça. “Toda escolha produz uma desescolha. Mas tenho nenhum arrependimento de não ter feito. Ah, gostaria de ter jogado tênis mais jovem. Relacionado à minha carreira, não. Estou fazendo essa reflexão, por esse momento, e posso dizer que não”, assinala.
“Houve, naturalmente, altos, baixos, curvas mais acentuadas e outras menos, sacrifícios, solidão e, ao mesmo tempo, muito comprometimento com o que eu estava fazendo. Tudo me serviu de um grande aprendizado e só tenho a agradecer toda oportunidade que eu tive desde o começo de minha carreira, desde a novela ‘Olho no Olho’, que fiz na TV Globo, que é considerado o meu trabalho profissional, aos 18 anos”, analisa Santoro, que poderá ser visto nas telas no próximo dia 28, em “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro, apresentado na abertura do festival. Confira a entrevista que o ator concedeu à reportagem de O TEMPO.
Em 2014, você recebeu um troféu Kikito especial pela carreira. Onze anos depois, volta à serra gaúcha para receber uma segunda homenagem. Como está sendo esse momento para você?
Esse reconhecimento é diferente do que eu tive há 11 anos. Esse é o Kikito de Cristal, que é sobre a contribuição internacional. Então tem um sabor bastante particular. O fato de ser em Gramado também deixa esse momento muito especial, porque Gramado foi o primeiro festival de cinema que eu frequentei como espectador. Além disso , é inegável a contribuição do festival para o cinema brasileiro e latino-americano. A gente teve um momento lindo no Festival de Berlim quando o nosso filme foi laureado com o Urso de Prata, mas nós não tivemos essa experiência no Brasil. Além dessa homenagem que eu tive a honra de receber, a o filme abrindo a programação. A combinação de tudo isso foi emocionante.
“O Último Azul” toca em assuntos muito delicados e complexos. Como foi participar desse filme?
Primeiro, ele tem uma temática muito universal, que é como nós lidamos com o envelhecer. A gente tem uma protagonista de 70 anos que se rebela contra um sistema que quer decidir o final da vida dela. É uma metáfora sobre como nós lidamos com os idosos nesta sociedade que insiste em classificar as pessoas pela produtividade, no que chamamos de etarismo. Não precisa ser um idoso, podendo ser uma criança também. “Ah, é só uma criança, não sabe o que está fazendo”, falam. (Isso é )Desumanizar, desqualificar o indivíduo por causa de sua idade. É uma discussão universal, porque normalmente há um idoso na família, em qualquer lugar do mundo. É sobre o direito de sonhar independentemente da idade. Essa ideia de que, quando você envelhece, vai se aproximando do final da vida, como se fosse um resto de vida, é muito cruel, porque nunca é tarde para aprender. No caso de Tereza (personagem de Denise Weinberg que protagoniza o filme), ela quer voar de avião. Estou fazendo 50 anos, e há dois comecei a aprender um esporte que é muito complexo, que é o tênis. Para quem já jogou sabe que é muito difícil. Inventei de aprender e estou jogando, estou me divertindo... São coisas que, independentemente do grau de excelência que você irá chegar, nunca é tarde. É sobre isso, é sobre esperança e o direito de poder sonhar.
O ano de 2025 está sendo marcado por várias premiações ao cinema nacional. Para você, que tem uma carreira internacional, esse momento lhe faz querer se conectar mais com a produção do país?
Eu vejo como uma fase muito potente do cinema brasileiro. Inegavelmente, você tem como uma prova empírica o que aconteceu neste ano. “O Último Azul” ganhou o Urso de Prata em Berlim, o “Ainda Estou Aqui” ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, “O Agente Secreto” ganhou em Cannes com melhor direção e atuação, para o Wagner (Moura). São os principais festivais. Eu não me lembro, na minha experiência, de ter visto isso acontecer. É um momento único, muito inspirador, mas o fato de estar de “O Último Azul” e algumas outras produções brasileiras nada tem a ver com o momento que o cinema brasileiro vive, mas sim com a minha conexão com o audiovisual brasileiro, desde o primeiro momento que sai para fazer um trabalho fora do Brasil. Sempre entendi como fundamental a minha conexão com as minhas raízes, com o meu DNA, podendo interpretar na minha língua e contar histórias da cultural da qual faço parte. Tudo isso sempre considerei fundamental, até para não me tornar... Hollywwod é um exemplo muito grande, um lugar onde você recebe grandes oportunidades, mas a competição é mundial, ainda no tempo que eu comecei a explorar essas oportunidades, quando não existia streaming, Netflix, quando o mundo não era globalizado. A gente está falando de um outro mundo e lembro muito bem de olhar as oportunidades e dizer “Não sei o que posso fazer com isso”. Se hoje a gente vê personagens latinos estereotipados, na época nem dá para explicar como era – e foi a época que eu comecei. Para resumir, acho que, nestes últimos anos, o cinema brasileiro resistiu, cresceu e vem buscando a sua própria identidade, com temáticas cada vez mais variadas, como é o caso de “O Último Azul”, que foi pouca explorada. Você não tem personagens protagonistas com essa idade. São muito poucos. Quando você tem, ele está ligado à finitude ou as sabedorias. Meu personagem é um homem que sofre com o fato de estar distante de seu amor, algo que você não vê em personagens masculinos. A partir do encontro dele com a Tereza, isso irá transformá-los, com ele entrando em contato com as próprias fragilidades. É um olhar que vai na contramão do olhar que a gente está acostumado a ver. É muito interessante ver um homem que assume as suas fragilidades e, por isso, se humaniza.
(*) O repórter viajou a convite da organização do Festival de Gramado