Publicado pela Crivo Editorial, "Dente de Leite" reúne poemas atravessados por experimentações afetivas e linguísticas, marcadas pela vivência migrante de Isadora Barcelos, que reside entre o Brasil e a Argentina desde 2018.
A ideia de reunir os textos em livro tomou corpo no final da pandemia, quando Isadora decidiu inscrever o projeto em um concurso de publicação em Buenos Aires. "Foi um impulso importante para começar a organizar e revisar os poemas. Até então, eram textos dispersos, escritos em cadernos e notas de celular, muitas vezes já cruzando os dois idiomas", conta.
“A escrita era algo muito presente na minha vida, mas estar numa cidade com tantas livrarias, ter amigas escritoras, amigos artistas, de alguma maneira também me ajudou a entender que eu poderia ocupar esses lugares”, destaca.
Dente de leite não esconde a mistura: assume o portunhol como um espaço possível de invenção e expressão. “Meu contato com o espanhol foi na rua, no susto. Cheguei decidida a morar em Buenos Aires sem conhecer nada nem ninguém, e mergulhei no idioma de maneira profunda. Meu interesse pela língua surgia por sonoridades curiosas e estranhamentos. Não tive uma aprendizagem linear”, afirma.
No posfácio, a escritora e artista visual Marta Neves observa que, embora Dente de leite possa ser lido como um livro de deslocamentos, seu movimento mais profundo se dá por dentro. “São os detalhes de coisas aparentemente imóveis que nos movem nos poemas, e o que nos sacode dentro deles não é tanto o trânsito da estrangeira, mas um tráfego qualquer no interior da poeta e do tempo”, escreve.
A capa do livro traz uma pintura original da artista e educadora Marcela Novaes. "Me encantei pelo trabalho da Marcela quando conheci a série de casas isoladas vistas no Google Maps. Havia ali algo do íntimo e do alheio que também atravessava muitos poemas", comenta Isadora.
A pergunta que abre o livro: "Para que serve o estrangeiro, senão para que haja sempre um buraco no peito, uma palavra intraduzível?" sintetiza bem suas inquietações. Ao mesmo tempo, aponta a recusa em buscar uma totalidade. Dente de leite propõe uma escrita que habita o inacabado, aquilo que escapa, um livro feito de lacunas e tentativas.