Quando o Festival Acessa foi criado, em 2021, a ideia inicial era promover um evento totalmente acessível para o público. Mas isso ainda parecia pouco. “Queríamos o protagonismo da pessoa com deficiência como um todo”, afirma Lais Vitral, que divide a coordenação e a curadoria com Daniel Vitral.
Dessa forma, o festival, que começa nesta sexta-feira (5/9), destacou pessoas com deficiência em diferentes frentes: no palco (em apresentações solo ou coletivas), na condução de oficinas e na atuação como consultores.
É provável que essa postura tenha contribuído de forma decisiva para a expansão do festival. Em 2021, ano de sua criação, a programação incluía apenas cinco espetáculos realizados virtualmente, em função da pandemia.
Já nesta quinta edição, que segue até 28 de setembro, serão apresentadas mais de 30 atrações artísticas, entre espetáculos, filmes, videoclipes, oficinas, bate-papos e lançamento de livro, distribuídos pela Funarte, o Sesc Palladium, o Centro Cultural do Minas Tênis Clube e o Palácio das Artes.
Além disso, o Acessa reunirá artistas de nove estados brasileiros, incluindo a região Norte, que participa pela primeira vez. A iniciativa, única no país, tem se tornado referência na cultura produzida por pessoas com deficiência artistas, produtoras e agentes culturais.
“Sentimos que estamos conquistando cada vez mais reconhecimento, tanto do público quanto dos artistas. Queremos dar o exemplo de que é possível organizar um festival acessível, contratar espetáculos com artistas com deficiência e sair do espaço dos eventos específicos”, afirma Lais.
Uma das bandeiras levantadas pelo festival é inserir a pessoa com deficiência na programação geral. Não é raro observar, por exemplo, que, durante a temporada de um espetáculo, apenas um ou dois dias sejam reservados para interpretação em Libras ou recursos de audiodescrição.
“Se faço um acesso exclusivo, acabo limitando essa pessoa. Isso não é promover liberdade. Inclusão significa que toda a programação seja acessível, e não segregada. É justamente esse diferencial que buscamos marcar”, ressalta Lais.
Programação e curadoria
Toda a programação do Festival Acessa passou pela curadoria de Lais e Daniel Vitral, com consultoria de Ademar Alves Jr., pessoa surda. “Nós ampliamos nossa programação infantil, porque tivemos uma demanda muito grande dos pais. Pensamos em espetáculos que contemplam também crianças neurodivergentes”, destaca Lais.
Os pequenos poderão conferir as montagens Maria Quer Ser Rio, da Coletiva de Palhaças (AM); Biruta, do grupo mineiro Sapos e Afogados (MG); e Spectrum (SC/RJ), com os atores Paula Gotelip, Cristiane Muñoz, César Rossi e Cézar de Castro.
Com exceção do espetáculo Monga, da atriz e diretora Jéssica Teixeira (CE), e do show de Hermeto Pascoal, toda a programação do Acessa é inédita em Belo Horizonte. Pela primeira vez, o festival contará com uma parceria internacional. Criadora de teatro neurodivergente, a artista britânica Dora Colquhoun apresentará a performance That’s Why Deers Run, que mistura movimento, música e narrativas.
“A instituição britânica DaDa, que busca parcerias com eventos de acessibilidade, descobriu o Acessa BH e decidiu trazer artistas dentro dessa articulação. A primeira ação será a apresentação da artista Dora, que realizará uma performance seguida de debate sobre clima e deficiência. Vale lembrar que, em situações de emergência climática, pessoas com deficiência estão entre as últimas a serem socorridas, por viverem em condições mais precarizadas e enfrentarem barreiras de acesso à educação. Em um ano de COP 30, esse debate se torna ainda mais relevante”, afirma.
Libras no centro do palco
Um dos destaques do Festival Acessa é o espetáculo "Os Irmãos Karamázov", que será apresentado no dia 12 de setembro, no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas. Estrelado e dirigido por Caio Blat, ao lado de Marina Vianna, a montagem é uma adaptação da última obra de Fiódor Dostoiévski.
“Há 25 anos sonho com esse projeto. Junto do Manoel Candeias, li todas as obras de Dostoiévski, e este é o livro mais teatral dele, porque apresenta uma trajetória mais familiar. Os outros são muito psicológicos. Além disso, não havia nenhuma adaptação brasileira de Os Irmãos Karamázov”, afirma Blat.
A montagem acompanha disputas familiares e financeiras entre um pai e seus dois filhos. Em cena, 13 atores desenvolvem a trama que mistura rock, baladas e coreografias.
“Temos um elenco que funciona como um coro. Desde o início, não queria fazer uma adaptação realista, porque a ideia era dialogar com os tempos de hoje. Dostoiévski escreveu a obra originalmente como folhetim, algo extremamente popular. Só que, com a virada do século, ele passou a ser reconhecido como um autor erudito. O que eu queria era retomar justamente esse aspecto popular da obra. Por isso, fizemos uma montagem com menos de duas horas de duração, em que homens e mulheres se revezam nos papéis”, explica.
O espetáculo foi concebido para transformar os recursos de acessibilidade em parte da própria dramaturgia, e não apenas como instrumentos paralelos. Para isso, duas tradutoras de Libras entram em cena e, além de traduzirem o espetáculo para a Língua Brasileira de Sinais, também atuam.
“A ideia foi experimentar que elas não fossem apenas intérpretes. Como era necessário traduzir a montagem para Libras, demos a elas autonomia para decidir como fazer essa tradução”, afirma a diretora de produção, Maria Duarte.
Caio Blat destaca que esta é a primeira tradução de Os Irmãos Karamázov para Libras. “Elas não fazem uma transcrição do texto, mas criaram uma versão em que também são aproveitados os próprios recursos teatrais”, afirma. Maria Duarte acrescenta: “Para soletrar os nomes russos demoraria muito tempo. Por isso, elas batizaram os personagens com sinais próprios.”
A produção também preparou um livro tátil, feito a partir dos figurinos, para pessoas cegas, além de utilizar recursos sonoros que permitem a esse público acompanhar o espetáculo mais de perto.
Confira a programação completa
Sesc Palladium
05/09 | 20h | Monga - Jéssica Teixeira (CE)
06/09 | 20h | Azul Marítimo - Victor Di Marco (RS). Apresentação seguida de bate-papo
07/09 | 17h | O Corpo, o peso, o descanso - Céu Vasconcelos (CE)
07/09 | 18h | Videoclipe da música L'Automne Amoureux (Bélgica) + Sessão de curtas Depois vem o silêncio (PR), Nunca me viram gritar (SP) e Zagêro (RS)
07/09 | 19h | Lançamento do livro Monga, de Jéssica Teixeira (CE)
Centro Cultural Unimed-BH Minas
12/09 | 20h | Os Irmãos Karamázov (RJ) - Direção Caio Blat e Marina Vianna (RJ)
13/09 | 20h | Hermeto Pascoal & Grupo (AL)
Palácio das Artes - Cine Humberto Mauro
16/09 | 19h | Videoclipe da música Nem Um Som Sequer + Filme Ainda Estou Aqui (RJ). Sessão comentada.
17/09 | 19h | Videoclipe da música Liberdade + Filme Nem Toda História de Amor Acaba em Morte (PR). Sessão comentada.
Funarte MG
09 e 10/09 | 14h às 17h | Oficina Cultura e Acesso: A Acessibilidade como Criação no Cinema e na Arte, com Ademar Alves Jr e Sara Paoliello (MG)
10/09 | 18h | Roda de conversa com equipe e consultores do Festival Acessa BH
16 e 17/09 | 14h às 17h | Oficina Veja com outros olhos, com Dudu Melo e Junior Dias (MG)
18/09 | 20h | CAPENGÁ! - Estela Lapponi (SP)
19 e 20/09 | 10h às 13h | Oficina DanceAbility, com Estela Lapponi (SP)
19/09 | 20h | Pequeno Tratado sobre a Leveza das Pedras - Rô Colares (PA)
20/09 | 16h | Maria quer ser rio - Coletiva de Palhaças (AM)
20/09 | 20h | Trem Tan Tan convida Fran Januário e Júlia Rocha (MG)
21/09 | 16h | Biruta - Sapos e Afogados - Núcleo de Criação e Pesquisa em Arte e Saúde Mental (MG). Apresentação seguida de bate-papo.
23 e 24/09 | 14h às 17h | Oficina Ponto(s) de Encontro(s), com Bruno Aguiar e Oscar Capucho (MG)
25/09 | 19h30 | That’s Why Deers Run - Dora Colquhoun (Reino Unido). Apresentação seguida de bate-papo.
26/09 |16h | Spectrum | Cristiane Muñoz (RJ), Paula Gotelip , César Rossi e Cézar de Castro (SC). Apresentação seguida de bate-papo.
27/09 | 20h | Hereditária | Moira Braga, Isadora Medella, Luize Mendes Dias (RJ)
28/09 | 19h | OZ | Aquilombamento Ficha Preta (SP)
Ingressos gratuitos, conforme regra de cada espaço
Centro Cultural Unimed-BH Minas: Retirada de ingressos 2 horas antes de cada espetáculo, na bilheteria do teatro. Um par por pessoa.
Funarte MG: Retirada de ingressos 1 hora antes de cada espetáculo, na bilheteria do teatro. Um par por pessoa. Para a roda de conversa não é necessária a retirada de ingressos.
Palácio das Artes - Cine Humberto Mauro: Retirada de ingressos 1 hora antes de cada sessão, na bilheteria do cinema. Um ingresso por pessoa.
Sesc Palladium - Grande Teatro, Cine Sesc e Teatro de Bolso: Retirada de ingressos 1 hora antes de cada sessão, na bilheteria do Sesc Palladium. Um par por pessoa.
Sesc Palladium - Foyer Augusto de Lima - Sesc Palladium: Não é necessária a retirada de ingressos.
LOCAIS
Centro Cultural Unimed-BH Minas. Rua da Bahia, 2244 – Funcionários, Belo Horizonte, MG
Funarte MG. Rua Januária, 68 - Centro, Belo Horizonte, MG
Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1537 – Centro, Belo Horizonte, MG
Sesc Palladium. Rua Rio de Janeiro, 1046 - Centro, Belo Horizonte, MG