“Você quer que eu vá ali? Amanhã? Que horas?”, explica Kleber Mendonça Filho, ao comentar sobre a maratona de viagens prevista em sua agenda para este segundo semestre. Lugares como San Sebastian, Biarritz, Madri, Zurique, Nova York, Londres, Morélia, Berlim e Hamburgo receberão exibições de “O Agente Secreto”, o mais novo trabalho do diretor pernambucano que, após ganhar dois prêmios no Festival de Cannes (melhor direção e ator, para Wagner Moura), viu sua cotação subir exponencialmente para o Oscar 2026.

A expectativa é grande em ver o Brasil novamente no palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, onde “Anda Estou Aqui” recebeu, neste ano, a estatueta de melhor produção internacional. A “Variety”, revista especializada americana, dobrou as fichas no longa brasileiro, ao apostar em até cinco indicações, incluindo melhor filme. Um dia depois da publicação, em entrevista online à reportagem de O TEMPO, para falar sobre “Dormir de Olhos Abertos”, que ele produz, com lançamento na próxima quinta-feira, o assunto, claro, veio à tona.

“Eu e a Emilie (Lesclaux, produtora e esposa de Kleber) nos sentimos muito à vontade, muito confortável em seguir o filme, ir atrás dele... A gente está trabalhando, conversando, representando o filme e o Brasil. A gente está com uma distribuidora nos Estados Unidos muito, muito forte, que acredita muito no filme. Então a gente está fazendo o que eles estão pedindo. E estão certos. Eu gosto disso. Se o filme precisar que eu continue trabalhando nos próximos meses, estou aí”, afirma o cineasta, num quarto de hotel em Los Angeles.

“Estou em Los Angeles mostrando o filme para pessoas que querem vê-lo. Não é que a gente tá pegando gente na rua, dizendo ‘por favor, venha ver o filme’”, explica Kleber Mendonça, evidenciando a escala de divulgação e interesse por “O Agente Secreto”, que, como “Ainda Estou Aqui”, é passado na época da ditadura militar. Wagner Moura interpreta um professor que decide fugir de seu passado violento, saindo de São Paulo rumo à Recife, com a intenção de recomeçar a sua vida, mas nem tudo acontece como planejado.

“Às vezes é difícil (a campanha de divulgação) porque são muitas viagens, mas não quero nunca soar como se estivesse reclamando de barriga cheia. Está tudo certo e estou muito feliz”, assinala o diretor, ladeado por Emilie. Ambos participarão do Festival de Toronto neste domingo, quando o filme será apresentado em uma sessão de gala. Por conta da agenda internacional, o casal não poderá acompanhar a exibição na abertura da Mostra CineBH, no próximo dia 23, no Cine Theatro Brasil. A estreia nacional será em 6 de novembro.

Até mesmo por sua origem como crítico de cinema, o ambiente de festivais está longe de ser um incômodo para Kleber Medonça. Em seu perfil no Instagram, estão vários registros de encontros com cineastas e atores de todo mundo. No Festival de Telluride, no Colorado (EUA), onde estava até o meio de semana, ficou muito próximo do cineasta iraniano Jafar Panahi, que, com “A Simple Accident”, ganhou a Palma de Ouro na mesma edição do  Festival de Cannes que “O Agente Secreto” concorreu.

Foi justamente nesses bastidores de festivais que ele conheceu Nele Wohlatz, diretora alemã de “Dormir de Olhos Abertos”. “Fui para um jantar de cineastas e na minha frente estava a Nele, que morava em na Argentina na época e tinha feito um filme sobre a comunidade chinesa na Argentina. Observei que, no Recife, tinha uma história muito interessante de trabalhadores chineses que ocuparam apartamentos das Torres Gêmeas, que é um  desses projetos da classe alta brasileira. Isso gerou conflitos interessantes de cultura, de classe”, lembra.

Cena do filme 'Dormir de Olhos Abertos', produzido por Kleber Mendonça Filho, que estreia no dia 11 de setembro | Foto: Vitrine/Divulgação

Brasil pelo olhar estrangeiro

Um ano após o primeiro encontro, Kleber Mendonça Filho e Nele Wohlatz voltaram a se ver, quando o brasileiro a convidou para ser jurada do Janela Internacional de Cinema, realizado em Recife. Foi a oportunidade para a cineasta alemã conhecer mais de perto a realidade dos imigrantes chineses na capital pernambucana. “Ela conheceu esse ambiente da comunidade chinesa e, naturalmente se aproximou da gente, e a gente se aproximou dela, para fazer esse filme”, registra Kleber.

Emilie conta que Nele veio mais duas vezes para fazer pesquisa e escrever o roteiro. “O filme ia ser muito mais híbrido, um pouco como ‘Futuro Perfeito’, trabalhando com pessoas que praticamente fazem seu próprio papel, mas a realidade fez que ela tivesse que entrar muito mais no terreno da ficção, porque se revelou ser bem difícil achar esses personagens reais, ainda mais com uma pandemia no meio”, salienta a produtora, de origem francesa.

“Na comunidade chinesa, as pessoas vão e vem,  ou estão muito ocupadas. Então, a gente acabou adaptando o projeto para ter mais personagens. Tem trabalhadores da imigração mesmo e  também alguns atores, né? E é por isso que a gente também montou essa coprodução com Taiwan”, frisa Emilie. Na trama, Kai chega de Taiwan para passar  férias e acaba entrando em contato com um vendedor de guarda-chuvas. Eles poderiam se tornar amigos, mas a chuva não vem e ele some do mapa. Ela conhece um grupo de trabalhadores chineses num arranha-céu e se sente misteriosamente conectada com a história de um deles.

Ao contrário do que pode se imaginar, o retrato feito do Brasil não é o mais vistoso, com críticas à lentidão e à sensação de Carnaval permanente. “Eu trabalhei isso no (curta) ‘Recife Frio’, que é sobre o Recife, mas (na visão de) um  programa argentino em que o narrador fala coisas muito desconfortáveis para um brasileiro e recifense. Parece um pouco aquela sensação de você estar ouvindo uma conversa que não era para estar ouvindo, com as pessoas falando de você”, analisa Kleber.