A cantora e compositora Ângela Ro Ro faleceu nesta segunda-feira (8/9), no Rio de Janeiro, aos 75 anos. Ela havia se recuperado de uma cirurgia no Hospital Silvestre, mas sofreu uma hipotensão grave seguida de parada cardíaca, chegando a ser reanimada por 15 minutos, sem sucesso. A cantora vinha enfrentando complicações de saúde, incluindo infecção pulmonar, problemas renais, traqueostomia e sessões de hemodiálise.
Dona de sucessos como Amor, meu grande amor e Simples carinho – que marcaram trilhas de novelas da Globo nos anos 1980 –, Ro Ro ganhou o apelido na infância, como forma de zombaria justamente por uma característica que iria ser fundamental para seu sucesso na música: a voz rouca.
A característica, porém, vinha sempre acompanhada de outras peculiaridades da artista, sempre pautada por uma franqueza sem filtros. Um caso anedótico desse seu jeito sincero ganhou manchetes em 2020, quando escreveu: “Sinto muito comunicar que a minha ex-namorada se contaminou com covid-19 ao fazer sexo com outra pessoa. Peço oração por sua saúde. Grata!”.
Tanta sinceridade escapava também para suas composições em letras confessionais sobre bebida, paixões, dores e noites em claro, fundamentais para constituição de sua trajetória – marcada também por episódios um tanto curiosos, alguns deles relatados no livro “Pavões Misteriosos”, de André Barcinski, que recupera histórias da cena musical brasileira.
Aventuras estrangeiras
Filha de um diretor da Polícia Federal, criada em um ambiente conservador de classe média alta no Rio de Janeiro, Ro Ro não tardou a se rebelar. Lésbica assumida, frequentadora dos bares de Ipanema e da boemia do Posto Nove, decidiu partir para a Europa em 1970. Na publicação, ela narra a história com humor: “Meu pai me deu passagem só de ida, eu nunca soube se ele estava duro ou se não queria que eu voltasse”.
Na Itália, encontrou Glauber Rocha. O cineasta baiano, segundo ela, se dizia decidido a ter filhos com a cantora. “Era impressionante, só de ele olhar pra mim eu já me sentia grávida”, narrou ao autor do livro – que mais tarde descreveria aquela entrevista como uma das mais divertidas que ele já fez na vida.
Em uma festa em Roma, contou ter conversado com Federico Fellini e Giulietta Masina, chegando a dar um fora em Michelangelo Antonioni, diretor de um clássico do cinema indie “Blow-Up - Depois Daquele Beijo” (1966). Cansada das investidas dele, respondeu em italiano: “Che noia, Michelangelo!” (“Que tédio, Michelangelo!”, em tradução), deixando o cineasta sem graça. Glauber, então, teria aproveitado a deixa para dizer que não adiantava insistir, já que Ângela era “muito ruim de jogo”.
Na Inglaterra, Ro Ro sobreviveu de empregos como faxineira e lavadora de pratos, até que um dia, em um pub, pediu licença para tocar Summertime ao piano. O vozeirão, registra uma passagem de “Pavões Misteriosos”, rendeu aplausos e dinheiro, muito mais do que o salário de uma semana no hospital. A partir daí, começou a se apresentar em bares londrinos, incluindo canções de Cat Stevens, Jimi Hendrix e até Luiz Gonzaga.
Foi nessa época que conheceu Malcolm McLaren, o empresário que fundaria os Sex Pistols. McLaren, nome fundamental do punk na Inglaterra, chegou a convidá-la para gravar um disco de blues, mas o projeto nunca se concretizou.
A cantora também se envolveu em histórias insólitas, como quando acordou sozinha em um apartamento, encontrou um bebê dormindo dentro de uma gaveta de cômoda e, ao lado, um bilhete deixado pelos pais da criança: “Angie, querida, fui pra Istambul, por favor tome conta do baby”.
Ângela chegou a participar, em 1972, do disco Transa, de Caetano Veloso, gravado em Londres, tocando gaita na faixa Nostalgia (That’s What Rock’n’Roll is All About). Foi também na Inglaterra que compôs The Split Up Song Number One, que mais tarde se transformaria em Amor, meu grande amor, um dos maiores clássicos de sua carreira.
Regresso
O livro “Pavões Misteriosos” prossegue recordando o regresso de Ângela Ro Ro ao Brasil, quando lançou, em 1979, o disco homônimo que a consolidou como uma artista cultuada da cena alternativa carioca. O álbum, considerado uma obra-prima, reuniu blues e baladas dramáticas que falavam de amores fracassados, solidão e vícios.
Como compositora, ela teve músicas gravadas por nomes como Marina Lima, que cantou “Não há cabeça”, Maria Bethânia, intérprete de “Gota de sangue”, e Ney Matogrosso, que deu voz à “Balada da arrasada”.