Assim que retornou da ação que, conduzida no primeiro dia de uma das tragédias ocorridas em Minas que mais reverberaram mundo afora, salvou mais de 700 vidas, o capitão Leonard Farah recebeu da cúpula da Companhia Operacional de Busca e Salvamento do Batalhão de Emergências Ambientais e Respostas a Desastres (Bemad) o pedido de que fizesse um relatório sobre o ocorrido. “Comecei, então, a escrever, mas percebi que o que fizemos lá não caberia em poucas páginas. Havia uma história fantástica a ser contada”, rememora ele.

Nesta terça-feira (5), no dia exato em que a tragédia citada por Farah – o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana – completa quatro anos, o comandante de Busca e Salvamento do Bemad lança o livro “Além da Lama” (editora Vestígio/Autêntica), no qual relata em detalhes a ação dos bombeiros desde o momento exato da ciência da ocorrência até o salvamentos das centenas de moradores que, diante do mar de lama, ficaram ilhados. O lançamento, que acontece dentro do projeto “Sempre um Papo”, será acompanhado por uma conversa, mediada pelo jornalista e escritor Afonso Borges.

Sobre o recorte escolhido para a condução da narrativa, Farah explica: “Sempre gostei de ler, e os livros que mais me fascinavam traziam histórias de pessoas comuns fazendo coisas extraordinárias. Ao escolher um ‘arco temporal’, que são as primeiras 15 horas (do evento), quis mostrar isso”. Mas ele complementa que, em meio às 208 páginas, o leitor vai se deparar também com vários outros casos da rotina dos bombeiros.

E se a escrita começou logo depois do rompimento, com o citado relatório sobre a ação, o ponto final veio mais de dois anos depois. Além da reconstituição precisa dos fatos e do cuidado atrelado ao fato de se tratar de uma história com muitas perdas humanas, Farah teve como norte produzir uma “leitura fácil”, no bom sentido da expressão. “Uma leitura que conseguisse chegar a pessoas de 12 anos, caso do meu filho, a 75, idade do meu pai”.

Além de mostrar a ação da corporação que representa, Farah também se preocupou em passar uma mensagem: “A de que não devemos desistir, mesmo nos momentos mais difíceis, pois isso pode interferir no sonho de outra pessoa. Posso dizer que é um livro para quem acredita em sonhos – e, bem, todos nós temos sonhos”.

Não que tenha sido fácil reviver um episódio tão marcante de sua carreira, na qual consta, por exemplo, uma especialização em Gestão de Desastres feita em Tóquio, no Japão. “Sem dúvidas, o episódio mais dolorido foi o do garoto Thiago, que está relatado lá”, diz ele, referindo-se ao garoto cuja história comoveu o país.

O personagem da vida real aparece no capítulo “Há destinos piores que a morte”. Nele, Farah conta o quanto ficou obstinado em encontrar o corpo do garoto de apenas 7 anos que, na hora da tragédia, estava junto da avó. Era o mínimo que poderia fazer para dar um alento ao pai, seu Robertino, ansioso por poder sepultar o rebento. A operação conseguiu atingir esse objetivo, mas não sem um nó na garganta de todos os envolvidos, principalmente quando se depararam com a bicicleta, as roupas e o troféu de futebol do garoto completamente enlameados. "E a pior lembrança é a da única pessoa que não conseguimos recuperar, o sr. Edmirson José Pessoa. É um nome que carregarei pelo resto da vida".

Em tempo: Farah também atuou em Brumadinho ("fiquei incrédulo, realmente não dava para acreditar que estava acontecendo tudo de novo; mas, infelizmente, era verdade"), além de ter chefiado uma missão composta por 20 militares do Corpo de Bombeiros de MG enviada a Moçambique, após os ciclones Idai e Kenneth, que devastaram o país em março e abril deste ano.