Tempos atrás, em uma das várias palestras que ministra país afora, Ailton Krenak foi inquirido sobre o motivo de o título de seu mais recente livro se chamar “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”, e não, “salvar”. “Respondi, brincando, que não sou o Corpo de Bombeiros. Não tenho a pretensão de ter respostas”, disse ele ao Magazine,em entrevista feita no período em que esteve na capital mineira para o lançamento da segunda edição da revista “Olympio – Literatura e Arte”, que dedica nada menos que 30 páginas ao líder indígena.
“Ideias Para Adiar o Fim do Mundo” (Companhia das Letras) chegou às livrarias ano passado. Desde então, está na lista dos mais vendidos. Modesto, Krenak credita o sucesso à perplexidade que paira sobre os que estão atentos às mudanças climáticas, por exemplo. “Apenas externei (preocupações), mas não tenho a chave. Comparo o fato de esses temas terem adquirido esse vulto a uma situação de emergência num avião. O que fiz foi quebrar a alavanca do alarme, puxá-la. Agora é ver como saltar”, narra.
De qualquer modo, ele assegura que a boa recepção foi uma surpresa. “Continua sendo, inclusive pelo fato de as ideias que o livro reúne estarem circulando além das fronteiras da nossa língua. Em abril, sairá a edição em francês, e está sendo negociada uma em espanhol, para a Argentina. Não sei quantas obras brasileiras ganharam esse destaque tão imediato, já que não tem nem um ano que foi lançado. Mas saliento que não tenho experiência em atender o mercado editorial, e nem quero ter. Portanto, não tinha expectativas. Ao mesmo tempo, imagina o contentamento, a satisfação, ao encontrar eco nos corações das pessoas em tantos lugares do mundo”, brinda.
À reportagem, Krenak confirma a história de que o título que acabou batizando o livro foi pensado de supetão quando, por telefone, a ele foi pedido para nomear a palestra que daria na Universidade de Brasília. Ocupado com a lida no quintal, respondeu, de pronto, “Ideias para adiar o fim do mundo”, que foi o que lhe veio à mente. Já próximo ao evento, foi alertado pela organização que havia várias pessoas curiosas em ouvir as tais ideias.
Mais tarde veio o livro, resultante da adaptação de duas conferências e de uma entrevista realizadas em Portugal entre 2017 e 2019. “Para a situação do livro, faço um outro comparativo. Sabe quando, numa corrida de cavalos, alguém solta os animais que estão participantes, e o que ganha a dianteira é uma surpresa? Como chama mesmo? Isso, azarão”, ri.
E prossegue: “A obra compila um conjunto de falas que fiz fora do Brasil, e há uma ironia nisso: num momento em que aqui estávamos passando por um solavanco, e no qual a ideia do brasileiro cordial, vivendo em um lugar paradisíaco, conhecido pela beleza de suas praias e mares, era solapada por acontecimentos como os rios Doce e o Paraopeba sendo devastados por lama tóxica, por exemplo”, diz, referindo-se às tragédias da mineração.
Mas a ruptura da barreira não é o único revés que entra na lista de Krenak. Ele lembra, ainda, a recente crise da água no Rio de Janeiro ou os estragos que os temporais causaram no país, e que, além das várias mortes, geraram cenas como a de bueiros explodindo em função da pressão da água. “Literalmente entramos pelo cano”, lamenta. “É duro! E temi que a coincidência desses episódios com as minhas falas pudesse me colocar num lugar como o da profecia do caos, o que não acho bom, não quero me identifica com isso. Quando digo que não tenho a pretensão de apontar ideias para salvar o mundo é porque talvez não haja mesmo como salvá-lo, quando constatamos uma sociedade tão excludente, cheia de contradições e que não sinaliza querer atender os flagelados, que vive longe da noção que a gente pensa quando se usa a palavra ‘humanidade’”.