Exemplo

'Aprendemos com ela', diz coletivo de jornalistas negros sobre Glória Maria

Para Etiene Martins, membro do coletivo Lena Santos, legado da profissional garantiu a presença e competência dos profissionais negros que vieram depois dela

Por José Vítor Camilo
Publicado em 02 de fevereiro de 2023 | 12:23
 
 
 
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"Dizem que na televisão não há lugar para preto. Não existe mesmo. É real". Essa é uma frase dita por Glória Maria durante uma entrevista à Marília Gabriela, em 2002. A frase abriu a dissertação de mestrado da mineira e também jornalista Etiene Martins. Membro do coletivo Lena Santos, que reúne profissionais da comunicação negros, ela diz, com firmeza, que a apresentadora icônica da TV brasileira, que morreu de câncer nesta quinta-feira (2 de fevereiro) aos 73 anos, ensinou e inspirou todos jornalistas negros e negras da imprensa nacional. 

"O Brasil perde hoje uma das nossas maiores vozes. Ela era uma profissional que demonstrava toda a nossa pluralidade, escancarava que a gente é um povo colorido e que não somos um país branco como, na maior parte do tempo, a TV demonstra. Temos hoje diversos profissionais que vieram depois dela, com a mesma competência, porque viram ela, aprenderam com ela e estiveram com ela no dia a dia, pela TV", disse Etiene, que também é doutoranda em comunicação.

Ela afirma ainda, com convicção, que que todos os profissionais negros da comunicação ficaram desolados com a perda, já que ela foi provavelmente a primeira pessoa negra a quem eles tiveram acesso na grande mídia.

"Nós, negros e negras que trabalhamos com a TV, temos a noção de que comunicar é existir para o outro. E ela foi a primeira pessoa que nós tivemos aceso e que nos fez compreender que era possível ocupar este espaço, de trabalhar na comunicação. A Glória Maria foi a primeira pessoa negra a ter essa visibilidade, mesmo muitas vezes tendo sofrido a violência de ser a única nesse espaço", completou a profissional. 

Etiene lembra ainda que cresceu em uma época em que os corpos negros não estavam na TV de forma digna, aparecendo sempre nas novelas com papéis em posição servil ou de escravizados. "A Glória destoava disso tudo, demonstrava toda sua competência e inteligência. Tinha uma representação do povo negro de forma muita importante, especialmente para aqueles que resolveram seguir essa profissão", continua a jornalista. 

Última postagem de Glória no Instagram tratava sobre racismo

Coincidentemente, a última postagem no Instagram de Glória Maria foi de uma outra entrevista que a ela concedeu à Marília Gabriela, mais uma vez, falando sobre justamente sobre o racismo. 

"Continuo sofrendo preconceito, que é uma coisa que não termina. Só que ele tem diversas faces. Eu já estou em um patamar que as pessoas não vão dizer 'você não faz isso porque você é negra'. Hoje a coisa é mais sutil, mais elaborada. O preconceito é muito mais grave, porque ele atinge pontos que antes ele não atingia", disse na entrevista. 

Assista: 

"Ela fala que, quanto tem uma negra e uma branca competentes, a escolha é sempre pelas brancas. Mesmo ela estando naquele espaço, vivenciando tudo, ela nunca se rendeu a isso como se fosse algo do mérito. Ela sempre reconheceu o racismo como presente na vida dela. É importante enfatizar que ela foi a primeira pessoa a utilizar a lei do racismo, a primeira a dar queixa por racismo no país", completa Etiene Martins. 

O coletivo

Criado em 2018, o coletivo Lena Santos surgiu a partir de um artigo de duas jornalistas de BH para o programa de pós-graduação da UFMG, sendo elas Marta Maria Cruz e Edilene Lopes. As duas pesquisaram sobre jornalistas negros de Minas, reunindo diversas pessoas em um grupo de WhatsApp. 

"A partir daí conseguimos compreender que várias questões nossas convergiam sobre a exclusão no mercado de trabalho, a pouca representação nos veículos de comunicação. Com isso, a gente se uniu e formou esse coletivo. A nossa primeira grande ação foi o Congresso Nacional de Jornalistas Negros e Negras, que contou com a presença de profissionais de diversos estados, em 2019. Tivemos a participação da Maju, do Manuel Soares, e diversos jornalistas negros de Minas. A Lena Santos é uma jornalista negra que trabalhou durante muitos anos na TV aqui no Estado", explica Etiene. 

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