Lançamento

"Boa Forma Gute form" investiga as origens do design brasileiro

Livro relaciona as raízes do design no País ao movimento de arte concreta e à Escola de Ulm, na Alemanha

Por Patrícia Cassese
Publicado em 21 de abril de 2022 | 17:25
 
 
 
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Organizadora do recém-lançado livro "Boa forma Gute form - Design no Brasil 1947-1968" (Editora Act), Livia Debbane pontua que a finalidade da obra - desvendar a influência da Escola de Ulm, herdeira da Bauhaus, no design brasileiro - já de pronto chama a atenção pelo fato de ela - na verdade, batizada como HfG (Hochschule für Gestaltung Ulm) - ter atuado por um período relativo curto - 15 anos (1953-1968) - e em uma cidade pequena na Alemanha: Ulm (por isso, claro, Escola de Ulm), situada no estado de Baden-Württemberg. Ou seja, a milhas e milhas distante do Brasil. 

"Trata-se de uma iniciativa que é conhecida com bastante superficialidade inclusive por pessoas do meio do design – sem falar em quem sequer tenha ouvido falar nela", aponta ela, que é escritora e pesquisadora do design, formada em Filosofia pela PUC SP. O livro, explica Lívia, retoma e reorganiza uma série de pesquisas realizadas em contextos acadêmicos e expositivos sobre esta influência que, a princípio, poderia até ser vista como improvável, mas que, sim, se fez sentir. "A mais relevante, no recorte design e concretismo, foi apresentada em 2006, por ocasião dos 50 anos da primeira exposição de Arte Concreta. (O crítico de música e de arte, doutor em filosofia) Lorenzo Mammi, seu curador, engenhosamente expandiu o movimento das artes ao expor trocas com a poesia e o design, em colaboração com os curadores João Bandeira e André Stolarski, respectivamente. Foi uma exposição importantíssima para traçar tais relações", situa Lívia. 

No entanto, ela pondera que Stolarski focou em análises das produções. "Boa forma Gute form´, por outro lado, é sobre a história das instituições e das pessoas ligadas a elas, e todos os fios que as conectam. A retrospectiva de Max Bill no Masp, no momento que o IAC é inaugurado, o fato de alunos e artistas que estiveram em contato com a exposição terem ido a Ulm, bem como aqueles ligados à escola do MAM Rio, e depois o seu retorno e a fundação da Esdi", diz, referindo-se, na última citação, à  Escola Superior de Desenho Industrial, uma unidade de ensino da Universidade do Estado do Rio de Janeiro considerada a primeira instituição a oferecer um curso de graduação em design de nível superior no Brasil,

O livro, prossegue Lívia, ao mesmo tempo que apresenta o conceito da gute form e sua presença no Brasil, enxerga como essa influência foi, de certa maneira, inconclusiva. "Na verdade, não existiu um movimento organizado, um manifesto, designers que se diziam seguidores da boa forma. Então, a perspectiva que trazemos é que a influência não foi direta,  discussões daquele momento. No entanto, talvez o aspecto mais importante do livro – e isso temos escutado de leitores que conhecem o assunto –, é a costura de fatos cuja relação não era clara, e ter reunidas visões sobre o mesmo período de autores com diferentes pesquisas e áreas de interesse. É essa trama que mostramos com os infográficos e a linha do tempo: como os eventos foram contemporâneos, como havia diálogos e trocas entre os profissionais, e como narrativas conhecidas e divulgadas estavam circundadas por histórias menores, paralelas".

A publicação oferece textos de estudiosos e um depoimento afetivo do designer alemão Karl Heinz Bergmiller, além de uma linha do tempo, contextualizando artistas, designers, obras, exposições e escolas de design. Entre os autores, estão Aleca Le Blanc, Alexandre Benoit, Ana Luiza Nobre, Chico Homem de Melo, David Oswald, Ethel Leon, Felipe Scovino, Julieta González, Malou von Muralt, Mina Warchavchik Hugerth, Pedro Luiz Pereira de Souza e Rodrigo Paiva. 

Perguntada se a iniciativa mira um público específico, Lívia diz que, por ser visualmente muito rico, o livro pode interessar a um público mais amplo, amante das artes e frequentador de exposições. "Mas, sem dúvidas, profissionais de design, arquitetos, artistas e pesquisadores da área vão se sentir especialmente atraídos por ele". Vale dizer que o projeto gráfico é assinado por Julio Mariutti, do Estúdio Lógos, ao lado de Ilana Tschiptschin, e terá lançamento internacional, em parceria com a Turner Libros,

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista

No curso do processo de feitura da obra, à medida que os ensaios iam sendo esboçados, que boas descobertas começaram a ser compartilhadas entre o grupo? As descobertas foram exatamente nesse sentido, das inúmeras coincidências descobertas entre os designers, artistas e arquitetos do período: trabalhos feitos em colaboração, viagens, conversas epistolares. Trabalhamos com duas pesquisadoras na Alemanha, Ilana Tschiptschin, que tinha uma pesquisa sobre design e poesia concreta (ela é designer gráfica e desenhou os infográficos e a linha do tempo), e Bárbara Garcia, que destrinchou o arquivo de Ulm e foi responsável por boa parte da pesquisa iconográfica, que merece destaque. Publicamos fotos inéditas das aulas e da convivência amistosa entre alunos e professores da Escola de Ulm, entre eles Josef Albers e Max Bill; descobrimos fotografias tiradas pelo filósofo Max Bense em sua visita a Brasília; no arquivo do MAM Rio, conseguimos as cartas trocadas entre Tomás Maldonado e Niomar Moniz Sodré à época que planejaram a escola design do museu. Tudo foi digitalizado especialmente para o livro.

Havia um desejo de processar as referências das escolas europeias, mas conferindo-lhe aspectos que remetessem ao país? O concretismo é por natureza uma arte universal, pois lida com problemas desse tipo, tais como os da matemática. A boa forma também tem este fundamento, ena práticao curso básico que a Esdi herdou de Ulm, e esta da Bauhaus, se baseava em exercícios de cores, geometria, relações óticas, topologia e materiais que independem, digamos, do contexto. É difícil falar “remeter ao país”, pois a busca de uma identidade nacional não estava em questão. Mas, claro, sabia-se que a realidade brasileira era muito diferente da europeia. O neoconcretismo seria o “vértice” do concretismo no país, para usar a expressão de Ronaldo Brito. Ethel Leon lembra que embora o concretismo rejeitasse cargas simbólicas, elas foram amplamente utilizadas aqui em logotipos corporativos feitos por designers gráficos. O livro encerra seu recorte em 1968, ano no qual coincidem dois fatos: o fechamento de Ulm e a movimentação de um grupo de alunos e professores da Esdi que questionam a adoção do modelo alemão, expressa na participação-manifesto na Bienal de Design daquele ano.

O que foi feito e pensado neste recorte temporal que o livro coloca em repasse ainda ecoa nos dias atuais ou, ao contrário, o design brasileiro tomou outros rumos? Talvez o design gráfico, entre outras manifestações do design, tenha sido bem-sucedido em seguir o legado. Alexandre Wollner foi um professor influente e profissional de sucesso, dada a quantidade de identidades corporativas que criou, como a do banco Itaú. O design industrial depende de mais fatores para ter seus projetos concretizados, uma cadeia que envolve tecnologia, produção, marketing e consumo. O país não conseguiu se industrializar como era o sonho daquele momento, por isso não existe uma produção tão numerosa ou expressiva quanto a gráfica, e consequentemente menos divulgada. Ou seja, especialmente no design de produto, o ensino não chega ao mercado; mas sua metodologia ainda é importante. Podemos citar nomes de professores como Karl Heinz Bergmiller, Gui Bonsiepe e Freddy van Camp.

Em tempo: o livro é patrocinado pelo Constellation Asset Management e apoiado pelo Goethe-Institut, via Lei de Incentivo à Cultura

Serviço
"Boa forma gute form" 

Editora Act. 
Pesquisa: Livia Debane 
Organização: Fernando Ticoulat e João Paulo Siqueira 
Projeto gráfico: Julio Mariutti/Estúdio Lógos 
Número de páginas: 224 p. 
Bilíngue: inglês / português 
À venda nas principais livrarias 

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