Entrevista

Chris Frantz, dos Talking Heads, revela bastidores da banda em livro de memórias

Em bate-papo exclusivo com o Magazine, baterista fala sobre 'Remain in Love', biografia que reconta seus dias com o icônico grupo musical norte-americano

Por Alex Ferreira
Publicado em 14 de setembro de 2021 | 06:00
 
 
 

Quando decidiu escrever seu livro de memórias, “Remain in Love” (“Continue amando”, em tradução livre; ainda sem data de lançamento no Brasil), o baterista dos Talking Heads e do Tom Tom Club, Chris Frantz, sabia que era importante deixar uma coisa bem clara para os leitores. 

“Minha maior preocupação era conseguir ser honesto sobre tudo o que aconteceu”, explica Frantz, 70, durante entrevista exclusiva ao Magazine direto de sua casa em Connecticut, EUA. “A última coisa que eu queria era que minha biografia parecesse um ataque pessoal de um baterista contra um cantor – mesmo que esse cantor tenha tentado roubar todo o crédito do resto da banda que o ajudou a virar um ícone da música”, conta. 

As rusgas a que o cofundador dos Talking Heads se refere são contra o vocalista e frontman David Byrne, a quem Chris acusa no livro de ter sabotado o grupo para sua própria autopromoção.  

“Para mim é importante que as pessoas saibam que, embora o David tenha sido um elo relevante na constituição da nossa imagem, o que realmente fez a gente chegar ao sucesso foi uma soma do talento de cada um dos integrantes”, continua o baterista. “Todos tivemos peso na formação do som, do estilo e da influência dos Talking Heads. Mas isso, obviamente, vai contra o que o David quer que os fãs acreditem. Ele quer ser visto como o gênio por trás de tudo. Só que isso não é verdade”, relata. 

Porém, o livro de Chris Frantz explora muito mais do que as rixas, os problemas e as brigas internas do grupo. De fato, a obra revela-se um registro empolgante de tudo que formou a gênese, a evolução e o arremate de uma das principais bandas nascidas nas brumas do punk-77 e da new wave oitentista. 

Através de lembranças vívidas e com um senso de humor ácido, Chris retraça a história dos Talking Heads desde sua formação – quando ele, David e a baixista Tina Weymouth ainda eram alunos da Rhode Island School of Design –, passando pela inserção do conjunto na cena musical nova-iorquina em 1975, até seu auge comercial no início de 1980.  

“Foi muito difícil para mim lembrar de todos os detalhes. Para minha sorte, tive muita ajuda dos registros que a Tina guardou das nossas turnês desde o fim da década de 70”, conta Chris, enfatizando a contribuição que a baixista dos Talking Heads – e sua esposa –, Tina Weymouth, teve para seu processo de escrita. 

Entre os momentos que mais gostou de lembrar durante o desenvolvimento da narrativa estão aqueles que cobrem os anos em que o quarteto tocou no legendário – e então obscuro – clube noturno CBGB, em Nova York. 

“Os Talking Heads nunca se consideraram um grupo punk, mas é claro que curtimos muito a chance de dividir o palco com todas as bandas daquela cena do CBGB entre 1975 e 1977. Acho até que foi muito por causa do chamado ‘movimento punk nova-iorquino’ que a gente acabou sendo notado na época”, avalia. 

Hoje extinto, o CBGB serviu para alavancar a carreira de muita gente que se tornou referência dentro da cena punk, new wave e pós-punk.  

“Acho que aquela coisa do punk tanto ajudou quanto atrapalhou os Talking Heads”, constata Chris. “Por exemplo, as rádios nos EUA daquela época se recusavam a tocar qualquer coisa associada ao punk music. Eles diziam que queriam promover só “música de boa qualidade’”, cita. 

“Foi aí que o presidente da nossa gravadora decidiu dizer que éramos uma banda de new wave. O argumento dele na época foi: ‘Mas os Talking Heads não são punk, eles são new wave’. Assim os DJ’s das rádios pensaram: ‘Bom, se os Talking Heads são new wave, então a gente pode tocar a música deles na programação’. Aquilo foi uma sacada genial”, elogia. 

Foi justamente no CBGB onde David Byrne (guitarra e voz), Chris Frantz (bateria), Tina Weymouth (baixo) e Jerry Harrison (guitarra e teclado) construíram sua reputação musical ao lado de bandas e artistas icônicos como Ramones, Television, Patti Smith e Blondie

“Vivemos muitas coisas legais ali. Uma das minhas memórias favoritas no local envolve a Debbie Harry (cantora da banda Blondie). Conheci a Debbie em 1974, bem antes dela se juntar ao Blondie. Ela cantava num grupo chamado Angel and The Snake”, relembra Chris. 

“A gente tinha acabado de chegar a Nova York, e o Talking Heads nem existia ainda. Naquele estágio, não tínhamos sequer decidido se o David seria o cantor da banda. Fomos ver um show do Angel and The Snake e quando a apresentação acabou, eu decidi ir falar com a Debbie para propôr que ela se juntasse ao nosso projeto”, prossegue o baterista.   

“Com o David parado atrás de mim, tomei coragem e fui ao bar onde ela bebia. Me apresentei dizendo que estávamos formando um conjunto e que ela seria a cantora perfeita para a gente. Ela olhou para mim e respondeu sorrindo: ‘Bem, não sei se você sabe, mas eu já canto numa banda. Agora, se você quiser pagar uma bebida para mim, eu aceito’. Foi o fora mais classudo que eu já tomei na vida”, diz entre gargalhadas. 

"Psycho Killer"– construindo um clássico 

Outro ponto alto de “Remain in Love” são as anedotas de Chris Frantz sobre a criação de alguns dos clássicos dos Talking Heads, entre eles o maior sucesso do grupo, “Psycho Killer”. Segundo o baterista, a inspiração principal para a canção veio do cantor Alice Cooper

“É verdade, o Alice inspirou a gente a escrever essa música. O mais legal é que anos depois ele confessou para a gente que era fã dos Talking Heads”, recorda Chris com um misto de orgulho e incredulidade. 

Apesar de todo o sucesso que o hit trouxe para o grupo, ele também representa o que Chris chama de “exemplo clássico do egocentrismo e ganância” de David Byrne, que “desde o início quis assumir o papel de único compositor da banda”. 

“Foi a Tina quem sugeriu a parte em francês da letra, e eu escrevi o segundo verso. O David só contribuiu com algumas frases”, insiste o baterista. 

“A maior surpresa para a gente foi quando o álbum chegou às lojas (‘More Songs About Buildings and Food’, lançado em 1978), e o David estava creditado no encarte como o único autor da canção”, acusa Chris.  

De acordo com o baterista, David também foi o motivo principal para os Talking Heads pararem de fazer shows no começo dos anos 1980. Chris conta que o vocalista queria promover sua carreira solo e acabou deixando a banda de lado. 

“Paramos com as turnês por causa dele. Depois do disco ‘Stop Making Sense’, o David se recusou a tocar com os Talking Heads porque queria se concentrar em sua carreira longe do grupo. Foi uma decisão muito egoísta da parte dele. Mas o David é assim, só pensa nele mesmo”, dispara. 

A partir desse ponto, Chris e Tina decidiram que era a hora de começar outro projeto musical e formaram o Tom Tom Club, grupo que virou uma sensação da noite para o dia, emplacando nas paradas de sucesso o hit “Genius of Love”.  

“Na verdade, a gente nunca quis formar uma outra banda. Estávamos felizes com nossos papéis dentro dos Talking Heads, mas a atitude do David e do Jerry (Harrison, tecladista e guitarrista da banda), que buscaram projetos solos, acabou nos liberando também. Incrível pensar que o Tom Tom Club nasceu por pura necessidade”, sugere. 

Mesmo com os desentendimentos e mágoas, Chris insiste que não tem nenhum rancor sobre a história dos Talking Heads. Inclusive, ele até acena para uma reaproximação com seu ex-parceiro musical. 

“Infelizmente, o David e eu não somos mais amigos. Mas não vejo problema nenhum em voltarmos a ser. Construímos uma linda história com os Talking Heads. Quem sabe um dia ele consegue reconhecer isso também?”, questiona.

*

Remain in Love: Talking Heads, Tom Tom Club, Tina
Autor: Chris Frantz
Quanto: R$ 47,77, versão ebook (413 págs.)
Disponível: Amazon
Avaliação: Muito bom

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!