Teatro

Cia. Luna Lunera retorna com 'Aqueles Dois' ao cartaz em curta temporada

Baseado em conto de Caio Fernando Abreu, espetáculo já passou por nove países e rodou quase todas as capitais do Brasil

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 15 de março de 2024 | 15:28
 
 
 
normal

A frase segue ecoando muito tempo depois de ouvida, e é como se o arrepio voltasse, em outras circunstâncias, reencenando aquela primeira vez: “Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra”. Presente no conto do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996), publicado no livro “Morangos Mofados”, de 1982, a frase serve de súmula para “Aqueles Dois”, que a Cia. Luna Lunera traz de novo à cena. 

O espetáculo estreou em 2007, e, desde então, visitou praticamente todas as capitais do Brasil e percorreu nove países, sendo apresentando, inclusive, em espanhol, chegando até Portugal. A atual temporada mantém a “capacidade de mobilizar afetos”, como observa, em entrevista à FM O TEMPO, o ator Cláudio Dias, que divide com Odilon Esteves, Marcelo Soul e Guilherme Théo, o protagonismo e a direção da peça, que ainda conta com as contribuições de Rômulo Braga e Zé Walter Albinati. 

Escrito na década de 1980, diante dos estertores da ditadura militar e do início de uma capenga redemocratização que não conseguiu conferir ao povo o voto direto, o texto, segundo Dias, “é atemporal, bonito, poético”. “Foi lançado no livro ‘Morangos Mofados’, e os ‘morangos’ tinham a ver com o frescor que a democracia trazia naquele momento, enquanto os ‘mofados’ eram os resquícios da ditadura, e isso ainda está por aqui hoje”, aponta. 

Enredo

A trama, arquitetada poeticamente por Caio, narra a história de dois homens que se conhecem em “um ambiente burocrático, monótono, árido” e criam uma fissura nessa paisagem ao “estabeleceram uma relação afetiva, a partir de gostos em comum, como cinema e música”. 

O trunfo da narrativa é, justamente, a opacidade, que não esclarece se as personagens formam um casal, se são apenas amigos, ou, ainda, se há interesse sexual de apenas uma das partes, deixando ao leitor a possibilidade de preencher as lacunas e “criar a sua própria história”, sublinha Dias. 

Em contraponto, está a opressiva condenação da sociedade ao redor, o que culmina na demissão de ambos por homofobia. “Esses temas são tratados com delicadeza, humor e uma trilha sonora muito bonita que o próprio Caio sugere no conto, com músicas de Cazuza e Angela Ro Ro que dialogam com a montagem”, destaca o entrevistado. 

História

Com quase 25 anos de estrada, a Luna Lunera reserva um lugar especial para “Aqueles Dois” em sua trajetória. Ironicamente, o aclamado espetáculo nasceu de uma dificuldade financeira da companhia, que, na ocasião, não dispunha de recursos para contratar um diretor ou dramaturgo que criasse um trabalho inédito.

A solução foi investir na pesquisa. Inicialmente, a ideia era examinar diferentes textos, mas, quando eles se depararam com o conto de Caio Fernando Abreu, as dúvidas se dissiparam. A paixão pela obra levou à proposta cênica do revezamento semanal de cada um deles na direção para, ao término dos ensaios, chegarem a um denominador comum.

O acúmulo de experimentações resultou na incapacidade de escolher somente um para a tarefa, e a direção compartilhada se tornou uma das marcas registradas da trupe. Cláudio Dias havia estudado, na Espanha, técnicas oriundas da dança que acabaram incorporadas ao teatro, assim como Odilon Esteves se dedicara à questão da voz em um curso da UFMG. Aliadas, as perspectivas foram aplicadas em “Aqueles Dois”. 

Encontro 

“É um espetáculo que rodou muito e a gente considera que esse sucesso todo tem a ver com a relação humana que se estabelece no encontro com o texto e, principalmente, com o público”, opina Dias. O ator dá como exemplo a experiência na cidade de Maracay, na Venezuela, ocorrida no ano passado.

Em plena quarta-feira, “num teatro incrivelmente lindo”, eles foram aplaudidos incessantemente por 800 espectadores, que, na sequência, exigiram inúmeras sessões de fotos. No encerramento apoteótico, eles também foram entrevistados pela imprensa. “Nunca tinha vivido isso, foi um encontro muito potente”, sublinha Dias. 

É corriqueiro, no entanto, que, após a peça, “as pessoas queiram abraçar” os atores. Certa vez, Dias ouviu de uma confidente que ela já havia visto “Aqueles Dois” nove vezes, e sempre carregava uma pessoa diferente para acompanhá-la. A “mesma emoção dos corpos se encontrando nos ensaios”, permanece. O que move a Luna Lunera é descobrir “o que estamos precisando e o que queremos falar”, arremata Dias. (Com Nelio Souto) 

Serviço.

O quê. Espetáculo “Aqueles Dois”, da Cia. Luna Lunera

Quando. Desta sexta (15) a 31 de março, sextas e sábados, às 20h; domingos, às 19h

Onde. Sala João Ceschiatti, no Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, Centro)

Quanto. De R$20 (meia) a R$40 (inteira), na bilheteria ou pelo site www.eventim.com.br 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!