Música

Como Mick Jagger, que completa 80 anos, se tornou o maior frontman do rock

Inovador e revolucionário, Jagger inventou a figura do cantor destaque de uma banda e se mantém relevante até hoje

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 26 de julho de 2023 | 06:36
 
 
 

Incansável, sustentado por um corpo elástico e franzino, ele vai de um lado a outro do palco, rebola, provoca e engole a todos com sua boca voraz e monumental, rodopia, coloca as mãos na cintura, abre um sorriso sacana, bate palmas e encena sua própria – e original – coreografia num mise-en-scène que nos conquista há impressionantes seis décadas. Showman, rockstar, símbolo sexual, encantador de plateias hipnotizadas e um dos mais brilhantes personagens da música em todos os tempos, Mick Jagger completa 80 anos nesta quarta-feira (26). 

A efeméride é oportuna para pensarmos o quanto a figura de Jagger foi e é fundamental para a cultura pop, e ainda relevante. Ele inventou o conceito da figura do cantor destaque de uma banda, balançando, modificando e reinventando, desde então e para sempre, as estruturas do rock e da noção de showbizz.

Nascido Michael Philip Jagger em 26 de julho de 1943, em Dartford, cidade situada a 25 km do centro de Londres, o cantor e compositor simboliza como poucos os vários signos que orbitam em torno de um gênero cujos caminhos foram decisivamente transformados por Mick Jagger e os Rolling Stones desde que o vocalista agarrou um microfone e, ao lado de Keith Richards, Brian Jones, Charlie Watts e Bill Wyman, bebeu da fonte especialmente do blues e do rhythm and blues para forjar o rock dos Stones.

Para o pesquisador e autor do livro “O Som da Revolução: Uma História Cultural do Rock 1965-1969” (Editora Civilização Brasileira), Rodrigo Merheb, Mick Jagger é o primeiro bem-sucedido vocalista de banda. Essa é a grande contribuição do cantor para o rock. Nesse sentido, todos vêm depois: Roger Daltrey, Robert Plant, Jim Morrison, Freddie Mercury e por aí vai.

“Jagger é a figura originária disso que é um dos grandes ícones do rock‘n’roll. Ele é o maior frontman de banda que o rock já teve. Você pode debater quem é o melhor, isso vai do gosto pessoal, mas Mick é o mais importante porque definiu como um vocalista deve se comportar em cima do palco, como se realiza a dinâmica entre o vocalista e a plateia, que sentimentos ele deve catalisar naquele momento, como ele deve ser uma espécie de regente condutor de todas as emoções que estão latentes dentro do local do show”, observa Merheb.

Mick Jagger não foi o primeiro artista do rock a fazer grandes performances no palco. Elvis, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Little Richard, quarteto responsável por idealizar a imagem e a música da primeira e clássica era do estilo, em meados dos anos 1950, já faziam de seus shows verdadeiros acontecimentos. Jagger, no entanto, elevou a níveis jamais vistos o que era feito e incorporou novos elementos ao seu próprio espetáculo.

“Antes, tínhamos performances mais masculinizadas, o Elvis era extremamente masculinizado. O que ocorre com Mick Jagger é algo mais andrógeno. Ele não está ali no sentido de afirmar a masculinidade do roqueiro. Nesse aspecto, ele é único. O Mick abriu portas e possibilidades. No aspecto performático, ele é muito singular”, afirma o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Franca, e historiador José Adriano Fenerick, cujas pesquisas vão ao encontro de temas como a indústria cultural e a história do rock, especialmente o inglês.

Toda essa construção do Jagger performer e sedutor em cima dos palcos acabou por eclipsar o que Rodrigo Merheb chama de “grande talento subestimado” do músico. E aí também aparece Keith Richards, uma espécie de antítese do amigo: se Jagger é profissional e preocupado em manter a banda atualizada às novidades do mercado, o guitarrista é o roqueiro autodestrutivo que briga para que o som do grupo seja o mais fiel possível às suas raízes.

Entre um e outro está o princípio vital dos Rolling Stones. “Ele sempre foi um extraordinário compositor. Ao contrário de Lennon e McCartney, que você sabe quem foi o principal compositor de cada música, nos Stones não tem como saber. Uma hora um faz a letra, o outro faz a música, depois eles trabalham juntos em letra e melodia. É uma dupla, de fato. A alma dos Stones é definida pelos dois protagonistas, e Jagger é 50% disso”, afirma Rodrigo Merheb.

Referência na cultura pop

Não tem jeito: é impossível falar da música produzida nos últimos 60 anos sem citar a influência de Mick Jagger. Seja nas composições com seu eterno parceiro e “inimigo íntimo” Keith Richards, que abordam desde as frivolidades do rock e as questões da juventude até as manifestações políticas, mas não panfletárias, os labirintos do amor e a violência, seja na postura libertária, revolucionária e antiautoritária nos palcos, o stone influenciou colegas de diversos gêneros.

Do rock ao pop contemporâneo, não será exagero dizer que de Madonna a Beyoncé, de Justin Timberlake a Harry Styles,  de Pelle Almqvist, do The Hives, ao ex-Cachorro Grande Beto Bruno, todos eles, em menor ou maior medida, foram instigados pelo vocalista dos Stones, que há 60 anos também une rock e moda em cortes de cabelo copiados até hoje, calças e camisas justas, cintos e jaquetas cintilantes, dando toques que nada tinham a ver com o universo de roqueiros sisudos e machões. Jagger era glam rock antes mesmo de o termo existir para classificar a vertente que se tornou popular no início da década de 1970.

Veterano sem que a decadência seja uma roupa que lhe caiba, o homem que chega hoje aos 80 anos é um fenômeno que, a despeito da irremediável passagem do tempo, continua a simbolizar a liberdade, a rebeldia e os anseios dos anos 1960, como argumenta José Adriano Fenerick: “Ele encarna, de certo modo, todo aquele entorno, aquela ideologia da juventude eterna muito ligada ao rock, da criatividade sempre em andamento. Ainda que biologicamente e fisicamente ele não seja jovem, a ideia dessa juventude é muito mais ideológica, e Jagger é o símbolo disso”.  

Relevante até os dias atuais

O fato de ainda estar na ativa com os Rolling Stones certamente confere a Mick Jagger uma aura difícil de encontrar par no mundo da música. A banda, que perdeu o baterista Charlie Watts, morto em agosto de 2021, continua lotando estádios ao redor do mundo – a última série de shows foi encerrada em agosto do ano passado, mas há quem jure que Jagger, Richards e Wood sairão em nova turnê em 2024, com o Brasil já sendo especulado como um dos possíveis destinos. Um álbum de inéditas também está a caminho.

Os Rolling Stones, a exemplo de outras bandas e artistas que nasceram há 60 anos ou mais e venceram a barreira do tempo e do esquecimento, se equilibram entre o traço artístico inquestionável e o aspecto mercadológico: como grandes marcas, transcendem a música e são conhecidas mundialmente tanto quanto Coca-Cola e McDonald’s.

Os Stones seguem se apresentando e fazendo shows para um público extremamente variado do ponto de vista etário. Nos palcos e seus poucos metros quadrados, a banda ainda domina o espetáculo. E Mick Jagger agita os braços, salta e ilumina, sem constrangedora autopiedade, o artista fascinante e respeitável que é.

“O segredo de se manter relevante durante esse tempo todo é a construção de um legado, de uma obra consistente e duradoura. Algumas figuras da cultura pop têm esse poder de durabilidade, de resistir ao teste do tempo, e conseguem se manter atuais. É uma influência que vai passando de geração para geração”, sublinha Rodrigo Merheb.

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