Literatura

Contadora de histórias, Beatriz Myrrha inicia segunda temporada do Danda Palavra

Na estrada há mais de três décadas, ela selecionou contos da tradição oral mundial, que compreendem clássicos indianos, chineses, indígenas e africanos

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 06:30
 
 
 
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Numa atmosfera onírica, “um tanto dantesca”, a mulher era conduzida pela mão, enquanto submergia seu corpo no rio. O sonho foi descrito a Beatriz Myrrha por uma pessoa que, segundo ela, “passou pelo maior sofrimento que um ser humano pode ter na vida”. E, no mundo do inconsciente, era Beatriz quem a levava, ao rio, pela mão. 

“A gente faz as coisas sem saber como vai reverberar, e, cada vez mais, compreendo que as ideias são plantadas na gente porque precisam acontecer”. A reflexão de Beatriz tem a ver com o seu mais recente projeto, que estreou no final do ano passado e, após apelos dos participantes, retorna neste mês de fevereiro, com dez datas até novembro. Logo após a estreia, Beatriz recebeu, e se comoveu, com o relato feito de sonho. 

A “Danda Palavra” nasceu com o objetivo de “colocar na roda a incontável riqueza da tradição oral mundial, com histórias cheias de camadas de sabedoria, algumas mais evidentes, outras nem tanto”. Beatriz atua como contadora de histórias há mais de três décadas. Antes, ela se formou, no início da década de 1990, como instrutora de ioga. A inspiração para o batismo da empreitada veio daí. 

Foi o Mestre Swami Sarvãnanda, que introduziu a prática indiana em BH, quem a apelidou, carinhosamente, de “bambu”, que, para ela, traduz ensinamentos relacionados à “flexibilidade, a brotar sempre agarrado aos outros, e a se envergar à medida que cresce, em um sinal de humildade”. Em sânscrito, “danda” significa “vara”, espécie de sinônimo para a palavra, que, ainda, remete à “forma como os adultos incentivam os bebês a andar, dizendo ‘danda’”, sublinha. 

Origem

É também no idioma ancestral do Nepal e da Índia, o sânscrito, que o épico hinduísta “Mahabharata” veio ao mundo, há mais de dois mil e seiscentos anos, com textos de tradição oral compilados por Krishna Dvapayana Vyasa. Apesar da antiguidade, o clássico ofertou um conto “extremamente potente para os dias de hoje, sobre uma mulher que sabia muito bem o que queria para seu destino”, e que foi apresentado na abertura da primeira edição da iniciativa. 

“Minha filha, de 29 anos, ficou tão impactada que assistiu várias vezes”, confidencia Beatriz. Isso porque os vídeos com as contações de histórias permanecem disponíveis no YouTube da artista. Além de não ferir a questão dos direitos autorais, a opção por contos milenares de tradição oral afiança “a chancela da qualidade, adquirida com o passar do tempo”, sustenta Beatriz. 

Com a promessa de dois encontros presenciais neste ano, as sessões literárias, por enquanto, permanecem virtuais. Na atual seleção, há histórias de origem indígena, árabe, africana, europeia, asiática e latino-americana, abarcando “quase todos os continentes”. “A gente conhece ‘clube do livro’, mas não tinha ‘clube de histórias’, então resolvi criar um”, salienta Beatriz. Depois de muito matutar, ela finalmente encontrou a coragem e a entrega necessárias para colocar a ideia em prática. 

A resposta não deixou de ser surpreendente. “Venci dificuldades que tinha comigo mesma, porque, no momento em que a gente assume um lugar de referência, precisamos realizar com muito mais afinco, compromisso e verdade as posturas e atitudes que os contos trazem”, destaca. Com o hábito de buscar, desde a infância, respostas dentro das histórias para seus questionamentos internos, o que aprendeu com sua mãe, Beatriz assegura que os contos selecionados “são repletos de vivência e sem nenhuma lição de moral”. 

Imaginação

A entrevistada dá como exemplo o conto chinês “O Lado Verde-Oliva”, rebatizado por ela mesma de “No Caminho da Sorte”. “Presenciei inúmeras pessoas chorarem ao ouvirem essa história, porque se viam na trajetória da personagem, que é colocada de forma amorosa. É um conto muito simples que serve para qualquer pessoa, de adultos a crianças”, afirma Beatriz, que acredita no “poder poético de histórias que mexem com a gente, e, às vezes, nem sabemos bem porquê”. 

“São personagens carregados de humanidade. Nenhum deles é perfeito, têm o lado bom e o lado triste. E a pessoa, então, se identifica”, constata. Para Beatriz, o mérito insuperável da literatura é “dar às pessoas a capacidade de imaginar”. “É quando podemos imaginar um rosto, um cheiro, um cenário, a partir de nossas ferramentas internas, das nossas vivências”. 

Dotada apenas de seu corpo e de sua voz, quem assiste Beatriz durante o ofício é capaz de enxergar “uma mulher preta, branca, morena, cabeluda, careca, gorda, magra, alta, baixa, pois a literatura te dá liberdade para imaginar”. “E, além disso, cria um nível de intimidade com o interlocutor”. Ela só lamenta, que, por vezes, diante dos novos mecanismos tecnológicos, a literatura seja “usada sem a delicadeza que merece”. Mas o futuro pertence a ela. “Não existe futuro sem sonho, e a literatura nos faz sonhar”, arremata. 

Serviço.

O quê. Segunda temporada do “Danda Palavra”, Clube de Histórias, com Beatriz Myrrha

Quando. De 28 de fevereiro a 27 de novembro, na última quarta-feira de cada mês

Onde. Inscrições pelo site www.dandacultura.com/clube para ter acesso ao link do Zoom

Quanto. R$96,00 por mês para participar dos encontros 

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